Animula vagula blandula

Recebi há pouco a notícia da morte de Ivan Campos, filho único do poeta Haroldo de Campos. Não tive a oportunidade de conhecê-lo, mas a notícia de sua morte me trouxe à lembrança a tradução muito afetuosa que ele fez de um poema singelo e tocante atribuído ao imperador romano Adriano:

Anímula vágula blândula
do corpo sempre hóspede e amiga
a que lugares vais agora,
já pálida gélida núdula?
...e não mais nos dás logojogos.

Animula vagula blandula,
hospes comesque corporis,
quae nunc abibis in loca
pallidula rigida nudula?
nec ut soles dabis iocos.

Digo que se trata de uma tradução muito afetuosa pois ela continua um projeto que Haroldo infelizmente não pôde concretizar: o de traduzir alguns poemas da chamada "era de prata" da literatura romana, dentre eles o poema citado acima. A ideia de Haroldo era preservar o primeiro verso em latim - assim como seu filho Ivan fez em sua tradução. Em outros momentos, é possível ver a influência do pai na tradução do filho, por exemplo no olhar cuidadoso para o penúltimo verso, "pálida gélida núdula", ou na expressão "logojogos", que me parece muito mais um aceno ao tipo de poesia que Haroldo escreveu do que propriamente uma tradução de "iocos", jogos, brincadeiras.

Tomo a liberdade de citar, abaixo, minha versão para o poema, um tanto livre e inspirada em uma música famosa da banda Secos e Molhados, acompanhada de outra, literal, caso alguém se interesse em traduzir também. O sufixo "-ula", que aparece no primeiro e no penúltimo verso, é um sufixo de diminutivo, usado, aqui, com um valor essencialmente afetivo.

alma leve muito leve
suave amiga do corpo
suave coisa nenhuma
que agora quer ir embora
que agora não brinca mais

Alminha, errantezinha, suavezinha, hóspede e companheira do corpo, pra que lugares você irá agora, branquinha, geladinha, nuinha? E você não brincará mais, como é costume.