Opinião é argumento?

Será que a opinião do leitor comum que deu três estrelas para Ricardo III deve ser colocada em pé de igualdade com a resenha do catedrático em literatura inglesa? É mais do que razoável dizer que não, mas resta saber por quê. Uma resposta comum é dizer que opinião não é argumento: você tem o direito de ter a sua, mas não pode achar que ela é detentora de um poder absoluto. Quero investigar isso um pouco melhor.

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A crítica não é inteiramente subjetiva. Ela conta com objetividades mínimas - assunto para outra publicação. Uma delas é o fato de que um texto crítico é, como já defendi outras vezes aqui no bloguinho, um juízo que se sustenta por conta própria. Significa dizer que ele é uma opinião argumentada.

Quando eu simplesmente dou três estrelas para um livro, isso resume minha opinião a seu respeito, mas faz ao mesmo tempo com que meu juízo se feche em si mesmo. Por que eu dei três estrelas? Porque eu gostei esse tanto. A resposta é simples. Ninguém pode me convencer do contrário, pois estou no reino do meu gosto puro e simples. Todos temos o direito de não gostar de um livro. Seria no mínimo autoritário impedir.

Caso, contudo, eu resolva explicar a algum outro leitor indignado as minhas três estrelas, eu precisarei estruturar algum tipo de argumento. Algo como: achei os personagens falsos. A partir do instante em que lanço esse argumento, eu rompo a barreira da minha opinião pura e simples e entro num debate. Entrar num debate significa que minha opinião tem meios para ser confrontada: se antes ninguém podia efetivamente me confrontar, afinal de contas tenho todo direito de não gostar de um livro, agora, pelo contrário, eu ajuízo um aspecto do texto que pode ser confrontado, no sentido de que um leitor pode argumentar dizendo que os personagens não são falsos por isso e por isso. Posso no fim das contas continuar achando os personagens falsos, mas meu argumento em si será confrontado, e, ainda que não se chegue a um consenso sobre se são falsos mesmo ou não, houve meios para refletir sobre a questão.

Logo, estaremos debatendo em torno de argumentos, que possuem a objetividade mínima de serem verificáveis, mensuráveis e debatíveis.

Opinião, sendo assim, não é argumento, mas não porque argumento é algo de natureza distinta; na verdade, a base do argumento numa discussão crítica continua sendo a opinião, o gosto, com a diferença de que agora é um gosto dirigido a aspectos específicos e claros a respeito de um objeto. Por isso podemos dizer que o gosto puro e simples não se debate, já que ele se fecha a qualquer debate, mas, pelo contrário, os argumentos, por sua própria natureza, são debatíveis.

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Outra maneira de observar isso é notando que opiniões sozinhas não constituem reputações críticas. Se fosse, então poderíamos simplesmente renovar o cânone a partir da média de estrelas que os usuários de uma plataforma de leitura internacional dão aos livros.

O que faz a qualidade de um livro é, sucintamente, a sedimentação de valor. Isso envolve muitas variáveis, que em parte se originam de um debate crítico, ou seja, argumentação, mas também em grande parte a lógica do meio literário e a acumulação de capital cultural.

A diferença aqui é que não é que a opinião do catedrático valha mais que a do leitor comum porque o catedrático, sei lá, tenha estrela na testa ou olho místico. Precisamos especificar de que modo a opinião do catedrático é melhor. A primeira delas é que o catedrático em sua resenha buscará por argumentos. Além disso, o fato de que tenha se dedicado por anos a fio a respeito da literatura de uma cultura qualquer pressupõe que ele tenha elementos mais precisos para ler aquela obra e que ele consiga realizar juízos mais robustos, tanto pelo fato de terem um aporte teórico maior, quanto pelo fato de que possuem uma bagagem mais ampla de obras a serem contrastadas.

Posso também dizer que a posição do catedrático no meio literário dá mais peso a sua opinião, o que implica dizer que ele tem mais autoridade e sedimenta mais valor. É algo que diz mais a respeito do meio literário que à opinião em si. Se invertermos a situação, um leitor comum pode muito bem escrever uma resenha elaborada a respeito de um livro e ainda assim ter um peso na bolsa de valores literários menor que a simples aprovação passageira que um catedrático deu durante uma entrevista, algo como "estou lendo X e gostando muito".

Noutras palavras: se o leitor comum e o catedrático se limitarem apenas a dar estrelas para um livro, as estrelas do catedrático têm, no meio literário, mais peso que a do leitor comum. E por isso não basta apenas dizer que o grosso das opiniões seja o suficiente para consolidar uma reputação crítica, pois, mesmo supondo que fosse apenas uma questão de estrelinhas dadas pelos leitores (o que não é!), o meio literário dá pesos distintos às estrelas de um e de outro.

Não quero dizer que o leitor comum esteja sempre num patamar de inferioridade em relação ao catedrático. O cerne da questão questão é que mesmo entre dois leitores comuns, a opinião de quem argumenta a respeito tem sempre mais peso crítico que a de quem só diz "gostei" ou "não gostei". Assim, se o leitor comum for perspicaz, é bem provável que ele consiga realizar objeções sérias ao que foi dito pelo catedrático. Para tanto, porém, ele precisa sair da simples opinião e passar ao plano da argumentação.