Uma hipótese sobre a Miríade de Leonardo Antunes.

Miríade, no singular, é o titulo de um poema épico escrito por Leonardo Antunes nos últimos anos. Quem é das antigas vai se lembrar que ele já apareceu mais de uma vez no bloguinho, inclusive quando não havia sido nem mesmo editado em livro. O poema terá dez mil versos ("miríade", em grego, é só isso mesmo) e deve levar cerca de 10 anos para ser concluído, de acordo com uma entrevista que o Leonardo deu para José Nunes no projeto "Como eu escrevo".

Alguns episódios costumam ser publicados vez em quando em suas redes sociais. Certamente o poeta pretende revisá-los bastante ainda, mas, para trabalharmos com um que recebeu um tipo um pouco mais definitivo de publicação (seja lá o que isso quer dizer), eu cito o poema 24:

*



024

I

RELATO: Trata-se aqui da proposta
de lei encaminhada pelo nobre
deputado José Moreira Prado,
do Partido da Causa Pós-Humana,
projeto número cinquenta e sete
de dois mil e cinquenta, PGL,
"Projeto Gado Livre", que é composto
por seis mil e setenta e nove folhas,
todas devidamente enumeradas
e rubricadas pelo proponente.

II

Chegou à Câmara dos Deputados
no dia vinte e cinco de setembro.
Depois, encaminhou-se à Comissão
de Saúde, Comércio e Mais-Valia,
no dia vinte e nove de setembro,
por despacho assinado e rubricado
pelo nobre senhor Roberto Marques,
o vice-presidente em exercício
da presidência deste colegiado,
por ausência do egrégio titular.

III

Coube a mim, por sorteio, relatar
o projeto de lei supracitado,
que foi devidamente discutido
em seis reuniões presenciais
de nossa comissão. Foi aprovado
no dia dezessete de novembro
em votação aberta, com seis votos
favoráveis e duas abstenções.
Ato contínuo, foi encaminhado
de volta para vossa apreciação.

IV

A proposta de lei denominada
"Projeto Gado Livre" tem por meta
combater os problemas de saúde
provindos do consumo exacerbado
de proteína animal. Outrossim,
almeja dirimir a destruição
dos biomas nativos, como sói
acontecer na criação de pastos.
Terminado o relato, presidente,
eu passo ao mérito desta proposta.

V

MÉRITO: Tendo como fundamento
os avanços recentes da Ciência
na manipulação do DNA
humano (causa sempre defendida
pelo partido ao qual o proponente
foi eleito por voto popular),
o projeto em questão faz a proposta
bastante audaciosa — dir-se-ia —
de permitir que todos os humanos
possam enfim se alimentar de pasto.

VI

Baseia-se a proposta do projeto
no fato autoevidente de que o pasto,
disponível em todos os lugares,
constitui uma fonte muito rica
de nutrientes para os seres vivos
capazes de fazer sua digestão.
É fato indiscutível que os bovinos,
seres de porte e força sobranceira,
possuem muito mais vigor que nós,
que deles mesmos nos alimentamos
em busca desses mesmos nutrientes.

VII

Apoiado, portanto, no princípio
da economicidade, como consta
na constituição de nossa pátria,
em seu artigo setenta, emendado
dois anos antes do ano dois mil,
o projeto propõe que eliminemos
a nossa dependência nos bovinos
como essa de espécie de intermediários
entre nós, os humanos que os comemos,
e o pasto, que queremos consumir.

VIII

Eliminá-los da nossa cadeia,
por um lado, porém, por outro lado,
mantê-los vivos, livres e felizes
é o que a proposta de lei intenciona.
O preço disso, caro presidente,
limita-se somente a uma edição
no DNA humano, de maneira
que nós passemos a ser ruminantes,
com três estômagos e grandes dentes,
moldados para a digestão de pasto.

IX

PARECER: O projeto, como consta,
tem méritos notáveis ao buscar
uma resposta a dois problemas graves
que assolam nossa pátria há tanto tempo.
Ainda assim, a nossa Comissão
de Saúde, Comércio e Mais-Valia
propõe emendas muito necessárias,
a nosso ver, a fim de que a proposta
se torne sustentável e viável
a longo prazo em nossa pátria amada.

X

Para evitar que os bois se proliferem
demasiadamente, pela falta
de um predador que possa limitá-los,
propomos que se alterem os genomas
de modo compulsório tão somente
nos criminosos e nos indigentes.
Eventuais amantes dos bovinos
poderão editar seu DNA
nas instituições autorizadas.
Salvo melhor juízo, é o parecer.

*

Vamos começar de constatações simples: o poema é todo escrito em versos decassilábicos, de medida que pode ser heroica, sáfica ou gaita galega, e numa linguagem extremamente coloquial. Por coloquial, não quero dizer aquilo que imite as gírias trocadas por dois surfistas cariocas bronzeados num domingo ensolarado, mas sim aquele tipo de linguagem que é esperável encontrar dentro do gênero textual que o Leonardo pega pra emular.

No caso, estamos falando de um projeto de lei, mas o poema mais recente, por exemplo, simula um relatório técnico da ABIN. Em ambos, a linguagem burocrática e protocolar está deliciosamente recriada no verso decassilábico, que, graças às mãos habilidosas do Leonardo como poeta, não se entorta nem um pouquinho para fazer com que os versos caibam na medida. Em certa medida, a magia verbal desses poemas é sugerir que existem medidas regulares por trás daqueles gêneros textuais que dificilmente imaginaríamos que pudessem conter algo de poético.

Algumas considerações podem ser feitas já aqui. Quem seguir o percurso da teoria literária moderna encontrará seus corifeus investigando, de tudo quanto é jeito, o que constituiria o poético da poesia, ou seja, o que faz de um texto ser um poema. As respostas foram várias e inventivas e admiráveis, mas mesmo os corifeus mais engajados cedo ou tarde precisaram dar o braço a torcer e reconhecer que quaisquer recursos que eventualmente possamos apontar podem ser facilmente encontrados cruzando uma esquina e comprando o pão nosso de cada dia.

Assim, se eu disser que poesia é o texto rimado, independente da amplitude dessa definição, é possível encontrar rimas em peças publicitárias também. Ou ainda, se eu disser que é o texto que tem uma medida rítmica e métrica discernível, facilmente conseguirei encontrar na prosa de todos os dias metros tradicionais. Os antigos, aliás, sabiam disso muito bem, e por isso regravam em seus tratados de retórica as chamadas cláusulas métricas, formas específicas de fechar um parágrafo ou trecho usando um ritmo que impactasse a audiência.

Sendo assim, o trabalho do Leonardo parece ser, de início, o de trazer à tona uma espécie de potência poética que esses textos podem possuir latente dentro de si, só que sem, curiosamente, exagerar na dose ou criar algum tipo de discrepância entre o aparecimento da ave encantada da poesia e o burocrata assoberbado em afazeres. Compare com:

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Quase nem preciso dizer de quem é: o famoso Poema tirado de uma notícia de jornal, de Manuel Bandeira. Sua linguagem sabe ser assombrosamente prosaica e cumprir o que se espera do gênero jornalístico, informando o nome da vítima, sua profissão, endereço, local da morte... Todavia, na hora de condensar em miniatura a vida desse João Gostoso, Bandeira extrai o melhor do verso livre e cria uma sequência assindética de verbos: "Bebeu / Cantou / Dançou". É pouco e é singelo, mas é o suficiente para que esse pequeno trecho concentre uma energia especial que discrepa do restante e dá um toque mágico de poesia na vida desse homem, afinal de contas grande parte da força dos versos está não apenas naquilo que esse carregador de feira livre realizou na fatídica noite (e que, supomos, ele dificilmente tenha tido tempo durante a vida para fazer), como, ainda, pela disposição dos versos num poema que privilegia a informação corrente e solta.

No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade

Antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

Neste segundo exemplo temos o Poema Brasileiro de Ferreira Gullar. Novamente, a informação tipicamente jornalística, com sua estatística nua e crua, é revirada do avesso para que nunca mais nos esqueçamos dessa infeliz constatação. A ferramenta usada é tipicamente poética: a quebra do verso, que redistribui as ênfases do texto.

Não há nada disso no que lemos de Leonardo. Todos os poemas estão pontuados e seguem uma linguagem protocolar do começo ao fim. Significa, portanto, que a linguagem banal não é um simulacro a ser vencido a partir de certo ponto do texto, mas, pelo contrário, um hábitat onde o poema nasce, cresce e morre. Além disso, o único recurso típico da poesia que elas empregam é o formato padrão da estrofe, com dez versos de medida decassilábica. No mais, cada poema se move numa banalidade acachapante, e mesmo quando ensaia algum movimento poético esperado, é no mínimo de maneira anômala:

RELATO: Trata-se aqui da proposta

É o primeiro verso do poema. A máquina poética é tão potente que engloba até aqueles detalhes que, muito embora pareçam menores para um olhar mais apressado, são quase que definidores do gênero: é o caso dos cabeçalhos Relato, Mérito e Parecer, que precisam ser contados dentro das sílabas poéticas do decassílabo. Isso, repito, é perfeitamente encontrável num projeto de lei. Mas, como foi transformado em poesia, podemos lançar um olhar distinto e por exemplo procurar por recorrências sonoras. Quem lê o poema em voz alta, por acaso descobre que existe repetição da consoante T:

relaTo: TraTa-se aqui da proposTa

Isso não passaria despercebido por um poeta que estivesse escrevendo um poema, por assim dizer, poético. O próprio Leonardo, que tem espécimes assim, e que consegue resultados mais do que extraordinários traduzindo literatura grega antiga, claramente conseguiria perceber esse tipo de efeito se estivesse escrevendo um poema sem a aura acachapante de banalidade. No entanto... essa aliteração definitivamente, que se brincar passou despercebida para a maioria de quem me lê, não se marca no texto e parece ser muito mais da conta do acaso. Compare com:

A extinção do processo dar-se-á por sentença.

É o artigo 316 do Código de Processo Civil, um dos mais importantes, aliás. Além de ser um verso de doze sílabas com ritmo anapéstico, ele apresenta uma elegante aliteração da consoante sibilante:

a extinÇão do proCeSSo dar-Se-á por SentenÇa

O problema é que, por mais que seja uma análise válida, só um doido acharia que foi intenção do legislador. Quando Rui Barbosa, no início do século passado, defendia o emprego de uma linguagem elevada e nobre para a redação do Código Civil, ele não estava pensando em versos tradicionais aliterados. Isso, na verdade, parece ser muito mais um defeito de fábrica meu, que quer enxergar função poética em tudo, muito embora a partir de dados objetivos do texto.

Com isso, creio que o que o Leonardo está propondo aqui é um pouco mais sutil. São poemas que empregam recursos poéticos, mas que conseguem aclimatá-los numa linguagem que não lhes dá destaque. Eles surgem de maneira natural, dando a sugerir que seria possível encontrar uma proposta de lei toda composta inteiramente em versos. A ironia, todavia, é que quando legisladores e juristas realmente resolvem redigir projetos e decisões em verso, eles o fazem empregando os maiores clichês da poesia, poetizando a linguagem para salvá-la da burocracia nefasta da atividade administrativa, enquanto o poeta em sua miríade faz o oposto: ele despoetiza a linguagem de maneira radical, impondo um pesado clima banal ao texto que nivela as aparições poéticas.

Isso de despoetizar me parece bem diferente por exemplo do projeto cabralino, que, na prática, por mais que se apresente como anti-poético, apenas modula os instrumentos da poesia para minar os caminhos fáceis do poético. Assim, quando Cabral abre sua Antiode dizendo:

Poesia, te escrevia:
flor! Conhecendo
que és fezes.

Ele está destruindo metáforas tradicionais associadas à poesia usando uma outra metáfora, ainda mais radical, que a compara a fezes. É basicamente o mesmo que Rimbaud faz ao escrever para Banville e comparar a flor que brota ao excremento da gaivota. Ou seja, Cabral não depõe de todo as ferramentas da poesia, mas as mobiliza a fim de criar uma linguagem que continuamos identificando como poética, só que de uma maneira insólita e dificilmente classificável.

Para tentar entender que tipo de linguagem o Leonardo tem utilizado, quero puxar uma discussão feita por Aristóteles na Poética. Ali em 1459a, o filósofo diz que para compor um enredo nós devemos proceder de maneira parecida com a tragédia: as histórias, por terem um começo, meio e fim, devem se comportar feito um animal uno e produzir o seu prazer típico. Para Aristóteles, esses enredos devem ser diferentes da História, que apresenta os relatos de maneira desordenada e unidos apenas pelo acaso. Pois que fio da meada uniria os acontecimentos de um noticiário que começa desfiando um rosário de mortes, passa pelo drama da vacina, comenta sobre um pepino gigante no sul da Austrália, condensa os gols da partida e termina com a derrocada fulminante da militante hipócrita?

A passagem assinala para uma distinção fundamental dentro da Poética: a história é um conjunto desordenado de eventos, a maioria deles improvável, ao passo que o trabalho do poeta, pintor da vida, é apresentar as coisas como são, como dizem que é ou como deveriam ser (1460b). Assim, por exemplo, os noticiários repercutiram na última semana o vídeo de uma professora de aeróbica pacatamente dando sua aula num jardim público com, ao fundo, carros blindados do exército se encaminhando para dar um golpe de estado em Mianmar. Um fato desses dificilmente cumpriria os requisitos aristotélicos, pois é algo que talvez nunca tenha acontecido antes, que dificilmente seria contado de forma crível e que é improvável de ocorrer.

Voltando à miríade do Leonardo, muitas delas partem de situações bizarras. O poema que pincelei, por exemplo, como o próprio Leonardo esclarece no vídeo em que a compôs ao vivo, cogita a situação de que seres humanos sejam programados geneticamente para apenas se alimentar de capim, e, desse modo, não depredarem mais o meio-ambiente. De um lado a situação é claramente implausível e recorda as narrativas distópicas mais doidivanas, mas de outro a preocupação é legítima e até conseguimos sentir à distância o cheiro exalado por quem sonha com uma alternativa assim.

O que quero sugerir, para ir direto ao ponto, é que cada poema da miríade simula um tipo de enredo que desafia o projeto aristotélico. De início pois rompe com o preceito, formulado lá pelas tantas da Retórica, de que a linguagem pode ser clara, mas não rasteira: na miríade encontramos uma linguagem clara e pra lá de rasteira. Em segundo pois, ao que tudo indica, ela deixa de oferecer uma narrativa una para apresentar acontecimentos num nexo desordenado tal como o da História.

Ao mesmo tempo, se voltarmos à ideia de que o poeta é um pintor da vida, podemos ver como a miríade vai muito além de mexer com a imaginação e mexe também e principalmente com nossas projeções de futuro. Muitos de seus acontecimentos não ocorreram antes, mas nenhum de nós se espantaria se algum nutricionista sarado aparecesse por exemplo com uma dieta maluca de só comer capim. Se alguém nos contasse uma história dessas, não acharíamos a princípio crível, mas também não nos espantaríamos se um tio de terceiro grau compartilhasse a notícia indignado por pensar que é verdade. Por fim, a ideia de que essas histórias são improváveis ou impossíveis é facilmente revista se considerarmos os anseios de muitos grupos sociais, afinal de contas a miríade é, no fundo, a projeção de desejos íntimos e em alguns casos reprimidos de pelo menos uma parte da sociedade.

Significa, portanto, que a miríade apresenta narrativas desconcertantes tanto pela situação em si quanto pela forma como são narradas, dando a entender que são fatos que poderiam muito bem ter ocorrido e nos passaram despercebidos (sou inclusive capaz de apostar que alguns leitores mais desavisados acharão que são reais). Todavia, a grande questão colocada é a de apresentar possibilidades que rondam nosso imaginário. Por isso a miríade dialoga com o projeto aristotélico de uma maneira fascinante: se organiza de modo a simular a sucessão de eventos da história, mas, em vez de explorar situações pura e simplesmente absurdas, aclimata-as num linguajar rente ao chão e explora os limites da possibilidade.

A miríade é composta, eu diria, de crônicas que vão além de explorar possibilidades mirabolantes: para voltar ao que disse antes, crônicas de possibilidades nascidas no íntimo de alguns extratos sociais, ou seja, adquirem seu valor de verdade e seu valor de possibilidade somente quando olhamos a partir de um ponto social específico. O que há de absurdo numa dieta regrada apenas a capim pode até continuar absurdo na ótica de um eco-militante, mas ganhará nuances distintos como o do desejo secreto de que isso pelo menos pudesse ser possível. É nesse cruzamento entre possibilidade e desejo, entre verossimilhança e ideologia que a miríade ganha força.

Creio que aí reside também sua finíssima ironia: ela não recusa o absurdo, pois justamente nesse cruzamento entre possibilidade e desejo é que lança suas farpas sobre um valor mais íntimo de verdade. Ou seja, essas situações são desconcertantes pois, como dito, se mesclam a possíveis notícias bizarras que facilmente encontraríamos, e, nisso, escancaram qual é o espectro de possibilidades que ronda nosso tempo. O desconcertante é em parte a situação em si e em parte o ela poder ser possível nesse mundo sem cabeça, mas é em parte também o saber que ela é desejável por alguns.

Isso claramente coloca o leitor em parafuso, pois se o propósito da pontada irônica é o de reverter a situação e mostrar que no fundo não é assim, ou que se aponta para outra coisa, as famosas entrelinhas das aulas de literatura, a miríade do Leonardo na verdade não aponta mais para lugar algum, mas nos deixa presos e hipnotizados com aquela sequência de acontecimentos que de fato podem acontecer, e que se apresentam algo de absurdo, não é porque romperam com o real, mas, pelo contrário, porque mergulharam na espiral por si só absurda da história.

Num mundo assim, não é loucura que procuremos por efeitos poéticos num texto que sabemos ser estritamente banal. O que o Leonardo faz não é exatamente o de polvilhar efeitos poéticos num texto banal para que de súbito nos arrebatem para além daquela realidade estranha e abafada, à maneira de se ele por exemplo decidisse rimar do nada ou incluir uma flor na mão de uma criança sufocada em meio aos detritos; eu diria, na verdade, que seu trabalho também não é o de elevar aqueles textos ao estatuto de poético, sugerindo que entre um projeto de lei e um símile homérico é só questão de opinião; trata-se, na verdade, de uma espécie de mundo às avessas que, olhando mais de perto, não é às avessas e sim o nosso: e por isso aquela linguagem prosaica, se olhada mais de perto, revela a finura de um artista que consegue uma fluência assustadora, decorrente de uma capacidade mimética quase sem paralelo na poesia contemporânea.