Simônides, fr. 543.
Eis um dos fragmentos mais bonitos da literatura antiga. Dânae, depois de ter sido estuprada por Zeus, é lançada ao mar pelo rei Acrísio e vaga sem rumo com seu filho Perseu, sem saber o que será dos dois. Sua fonte é um trecho do tratado de Dionísio de Halicarnasso sobre o arranjo das palavras, em que se destaca, de modo muito curioso, que o trecho pode ser lido como prosa, já que a divisão entre as estrofes, antístrofes e epodos não é muito clara.
A quem se interessar em ler mais a respeito, recomendo o comentário feito pela Giuliana Ragusa no seu Lira Grega, publicado pela Hedra anos atrás, bem como o artigo do Rafael Brunhara no volume 5, número 1, da revista Codex (aqui).
arca
o vento ventando
e o mar se encrespando abateram-na
com o terror; com faces não enxutas,
ela lançou os braços em volta do caro Perseu,
e disse: "Ó filho, que dor tenho!
Mas tu dormes bem, e com lácteo
coração repousas
no lúgubre lenho de brônzelas cavilhas,
e na noite brilha,
estendido na escuridão azul;
a funda espuma, enquanto sobre teus cabelos
a onda passa,
não te preocupa, nem do vento
o ressoar - tu, jazendo
em purpúrea manta de lã, belo rosto!
Se para ti fosse temível o terror de fato,
sob minhas palavras
segurarias teu pequeno ouvido.
Digo: dorme, infante,
durma o mar, durma o imensurável mal!
Que surja alguma mudança,
ó Zeus pai, de ti;
e qualquer palavra insolente
ou apartada da justiça, peço,
perdoa-me..."
οἐκ δὲ τῆς μελικῆς τὰ Σιμωνίδεια ταῦτα· γέγραπται δὲ κατὰ διαστολὰς οὐχ ὧν Ἀριστοφάνης ἢ ἄλλός τις κατεσκεύασε κώλων ἀλλ' ὧν ὁ πεζὸς λόγος ἀπαιτεῖ. πρόσεχε δὴ τῷ μέλει καὶ ἀναγίνωσκε κατὰ διαστολάς, καὶ εὖ ἴσθ' ὅτι λήσεταί σε ὁ ῥυθμὸς τῆς ᾠδῆς καὶ οὐχ ἕξεις συμβαλεῖν οὔτε στροφὴν οὔτε ἀντίστροφον οὔτ' ἐπῳδόν, ἀλλὰ φανήσεταί σοι λόγος εἷς εἰρόμενος. ἔστι δὲ ἡ διὰ πελάγους φερομένη Δανάη τὰς ἑαυτῆς ἀποδυρομένη τύχας·
ὅτε λάρνακι
ἐν δαιδαλέαι
ἄνεμός τε †μην† πνέων
κινηθεῖσά τε λίμνα δείματι
ἔρειπεν, οὐκ ἀδιάντοισι παρειαῖς
ἀμφί τε Περσέι βάλλε φίλαν χέρα
εἶπέν τ'· ὦ τέκος οἷον ἔχω πόνον·
σὺ δ' ἀωτεῖς, γαλαθηνῶι
δ' ἤθεϊ κνοώσσεις
ἐν ἀτερπέι δούρατι χαλκεογόμφωι
νυκτί <τ' ἀ>λαμπεῖ,
κυανέωι τε δνόφωι ταθείς·
ἄχναν δ' ὕπερθε τεᾶν κομᾶν
βαθεῖαν παριόντος
κύματος οὐκ ἀλέγεις, οὐδ' ἀνέμου
φθόγγον, πορφυρέαι
κείμενος ἐν χλανίδι, πρόσωπον καλόν.
εἰ δέ τοι δεινὸν τό γε δεινὸν ἦν,
καί κεν ἐμῶν ῥημάτων
λεπτὸν ὑπεῖχες οὖας.
κέλομαι <δ'>, εὗδε βρέφος,
εὑδέτω δὲ πόντος, εὑδέτω <δ>' ἄμετρον κακόν·
μεταβουλία δέ τις φανείη,
Ζεῦ πάτερ, ἐκ σέο·
ὅττι δὲ θαρσαλέον ἔπος εὔχομαι
ἢ νόσφι δίκας,
σύγγνωθί μοι
A quem se interessar em ler mais a respeito, recomendo o comentário feito pela Giuliana Ragusa no seu Lira Grega, publicado pela Hedra anos atrás, bem como o artigo do Rafael Brunhara no volume 5, número 1, da revista Codex (aqui).
§
Dionísio de Halicarnasso
trad. Rafael Brunhara
Os seguintes versos de Simônides, provenientes da poesia mélica, não foram escritos conforme as divisões métricas que Aristófanes ou qualquer outro preparou, mas demandam a prosa. Atenta a canção e lê conforme as divisões. Vê bem que o ritmo do poema te escapará, e não poderás agrupar nem estrofe, nem antístrofe e nem epodo, mas parecerás ler um texto em prosa. Trata-se de Dânae sendo levada em alto mar e lamentando a sua sorte:
*
trad. Giuliana Ragusa
..., quando na dedáleaarca
o vento ventando
e o mar se encrespando abateram-na
com o terror; com faces não enxutas,
ela lançou os braços em volta do caro Perseu,
e disse: "Ó filho, que dor tenho!
Mas tu dormes bem, e com lácteo
coração repousas
no lúgubre lenho de brônzelas cavilhas,
e na noite brilha,
estendido na escuridão azul;
a funda espuma, enquanto sobre teus cabelos
a onda passa,
não te preocupa, nem do vento
o ressoar - tu, jazendo
em purpúrea manta de lã, belo rosto!
Se para ti fosse temível o terror de fato,
sob minhas palavras
segurarias teu pequeno ouvido.
Digo: dorme, infante,
durma o mar, durma o imensurável mal!
Que surja alguma mudança,
ó Zeus pai, de ti;
e qualquer palavra insolente
ou apartada da justiça, peço,
perdoa-me..."
*
trad. Tadeu Andrade
Quando, na arca
entalhada,
o vento uivante
e as águas turbulentas lançaram Dânae
ao pavor, de rosto úmido
ela pôs o querido braço em torno de Perseu
e disse: “Filho, que sofrimento o meu!
Você dorme, cochila
com seu coração criança
nesta lenha infeliz firmada em bronze,
levado no sem-luz da noite,
nas escuridões do azul.
Não percebe a espuma profunda
sobre seus cabelos
no passar da onda, nem a voz
do vento – coberto
na colcha púrpura, o rosto tão bonito.
Se lhe fosse medo o medo,
prestaria às minhas palavras
ouvido delicado.
Peço: durma, bebezinho,
E durma o mar, durma este mal sem conta.
Zeus pai! Venha de ti
Nova vontade.
Mas, se eu rezo com palavra ousada
Ou sem justiça,
Perdoa-me.
*
trad. Rafael Brunhara
[Dânae], na dedálea arca
quando o vento soprava
e o mar revolto em pavor
a prostrava, não sem pranto no rosto
envolveu Perseu nos braços amáveis
e disse: "ah, filho, que aflição a minha!
Tu dormes, com inocente
peito ressonas
na triste barca de brônzeas cavilhas,
embora vagues na noite sem luz,
nas trevas escuras.
Da espuma do mar em teus cabelos,
quando passam as ondas
profundas, tu não cuidas,
nem da voz do vento: repousando
em manto púrpura, é belo teu rosto.
Se o que é terrível te fosse terrível,
às minhas palavras
darias teus pequeninos ouvidos.
Dorme, meu bebê, te peço;
dorme, ó mar; dorme, ó mal imensurável!
Que surja de ti um sinal de mudança,
Zeus pai, de tua vontade!
Mas se minha prece é insolente
ou sem justiça,
perdoa-me."
*
trad. Guilherme Gontijo Flores
quando em seu baú
dedálico enfim
assopraram vendavais,
quando as águas em turbilhão terror
lançaram nela e sem ter secas as faces
pôs sua mão acolhendo Perseu, assim
disse: “Filho, que dor que desabou em mim!
Mas você dorme e com jeito
lactente pousa
neste mísero lenho de bronzicavilhas,
noctiluzente,
que se estendeu em ciano-breu;
nem mesmo atenta ao ror do céu
que tão denso por ondas
desce aos cabelos, nem mesmo a uma voz
entre ventos, mas só
deita-se em púrpuras lãs com tão linda tez.
Pois se tal horror lhe causar horror
pelo que enfim vou dizer,
tampe esse tenro ouvido
E direi: durma, bebê,
durma todo o mar e durma tanto mal mais sem fim!
Que a mudança agora brilhe inteira
vinda do pai, ó Zeus!
Se uma palavra insolente falei aqui
se ao justo fugi,
perdão me dê."
*
trad. Trajano Vieira
[...] quando na arca dedálea
o vento sibilando,
a onda espiralando,
deixara-na prostrada de paúra.
Gotículas decaem do rosto,
no enlace de Perseu que abraça.
"Revés imenso o meu", lhe diz,
"enquanto, imerso na sonolência,
acomodas teu coração tenrilactante
no lenho sinistro de cavilhas brônzeas,
e lampeja noite adentro
deitado no trevor azul-cianuro.
Não cuidas quando espumeja dos baixios
e na trama dos cabelos a ôndula transpassa,
tampouco do vento que assovia,
o belo rosto envolto
na rubra lã da manta.
Fora terrível para ti o que efetivamente é
às minhas palavras
encobririas teus ouvidos frágeis.
Profiro: adormece, menino!
Adormeça o mar talásseo!
Adormeça o mal de impossível mensura!
A mutação, qualquer que seja, advenha,
Zeus pai, de ti provinda!
S alguma palavra escapou-me indevida,
contrária ao justo,
releva: não excluas de mim teu pensamento..."
§
οἐκ δὲ τῆς μελικῆς τὰ Σιμωνίδεια ταῦτα· γέγραπται δὲ κατὰ διαστολὰς οὐχ ὧν Ἀριστοφάνης ἢ ἄλλός τις κατεσκεύασε κώλων ἀλλ' ὧν ὁ πεζὸς λόγος ἀπαιτεῖ. πρόσεχε δὴ τῷ μέλει καὶ ἀναγίνωσκε κατὰ διαστολάς, καὶ εὖ ἴσθ' ὅτι λήσεταί σε ὁ ῥυθμὸς τῆς ᾠδῆς καὶ οὐχ ἕξεις συμβαλεῖν οὔτε στροφὴν οὔτε ἀντίστροφον οὔτ' ἐπῳδόν, ἀλλὰ φανήσεταί σοι λόγος εἷς εἰρόμενος. ἔστι δὲ ἡ διὰ πελάγους φερομένη Δανάη τὰς ἑαυτῆς ἀποδυρομένη τύχας·
ὅτε λάρνακι
ἐν δαιδαλέαι
ἄνεμός τε †μην† πνέων
κινηθεῖσά τε λίμνα δείματι
ἔρειπεν, οὐκ ἀδιάντοισι παρειαῖς
ἀμφί τε Περσέι βάλλε φίλαν χέρα
εἶπέν τ'· ὦ τέκος οἷον ἔχω πόνον·
σὺ δ' ἀωτεῖς, γαλαθηνῶι
δ' ἤθεϊ κνοώσσεις
ἐν ἀτερπέι δούρατι χαλκεογόμφωι
νυκτί <τ' ἀ>λαμπεῖ,
κυανέωι τε δνόφωι ταθείς·
ἄχναν δ' ὕπερθε τεᾶν κομᾶν
βαθεῖαν παριόντος
κύματος οὐκ ἀλέγεις, οὐδ' ἀνέμου
φθόγγον, πορφυρέαι
κείμενος ἐν χλανίδι, πρόσωπον καλόν.
εἰ δέ τοι δεινὸν τό γε δεινὸν ἦν,
καί κεν ἐμῶν ῥημάτων
λεπτὸν ὑπεῖχες οὖας.
κέλομαι <δ'>, εὗδε βρέφος,
εὑδέτω δὲ πόντος, εὑδέτω <δ>' ἄμετρον κακόν·
μεταβουλία δέ τις φανείη,
Ζεῦ πάτερ, ἐκ σέο·
ὅττι δὲ θαρσαλέον ἔπος εὔχομαι
ἢ νόσφι δίκας,
σύγγνωθί μοι