Estrutura em anel.
Estrutura ou composição em anel (ringkomposition) é a maneira como Van Oterllo, um estudioso alemão da poesia homérica, batizou alguns trechos nos quais uma estrutura textual é repetida de modo inverso. Que a repetição é a base da poesia homérica, nós sabemos já há um certo tempo, dada as origens orais de parte considerável da poesia grega antiga; que seja aplicada numa configuração específica, todavia, é uma situação diferente e um tanto peculiar.
Encontraremos exemplos de composições em anel em vários outros poemas gregos de períodos um pouco posteriores. Um exemplo que me ocorre de cabeça é o do fragmento 16 LP de Safo, a chamada ode a Anactória. Muitas vezes estruturas assim dão uma certa sensação de harmonia ao leitor graças aos paralelos inteligentes que traçam dentro de si, mas também penso que seria o caso de supor que ela serviria como uma espécie de muleta para que o aedo memorizasse os versos e organizasse sua composição. Ainda, a estrutura em anel nos permite ver mudanças sutis na estrutura da passagem narrada, indicando que embora algo tenha retornado, retornou de um jeito diferente.
No caso de Homero, um exemplo útil seria aquele dado por John D. Niles ao discutir a composição em anel em uma passagem do Canto II da Ilíada. Nela é difícil não imaginar que a estrutura em anel amarra o trecho de maneira muito justa, passando para o leitor um pouco da potente organização do exército em marcha e, principalmente, pontuando de maneira precisa o símile desenvolvido, quase à maneira de abraçá-lo ou cingi-lo realçando semelhanças e contrastes.
Nas traduções, respectivamente, de Odorico Mendes, Carlos Alberto Nunes e Haroldo de Campos:
Os outros avançavam como se um incêndio,
ctônico, voraz, lavrasse pelo plaino
rechinante; assim Zeus, amador-de-relâmpagos,
em Arimos, vergasta o chão onde Tifeu
(dizem) dorme; rebrame a terra toda e toda
estruge, sob os pés em marcha acelerada.
Existe um paralelismo acentuado no trecho. O avanço das tropas helênicas rumo a Troia é entremeado de um episódio mitológico, mas de tal modo que exista como que uma proporção na maneira com que Homero introduz a cena, bastando que o leitor observe o uso de uma palavra como Τυφωέϊ no terceiro verso do trecho citado e, já no próximo, em posição correspondente, o uso de Τυφωέος. De modo análogo, na primeira linha encontraremos ὡς, termo que se repetirá na quinta linha, e na segunda veremos γαῖα δ᾽ ὑπεστενάχιζε, sucedido por ὑπὸ (...) στεναχίζετο γαῖα na quinta. Um esboço de tradução, tendo como ajuda as traduções anteriores e a inglesa de A. T. Murray:
Marcharam como incêndio que limpasse o solo:
treme a terra a seus pés como tremeu com a fúria
de Zeus ama-relâmpagos torno a Tifeu
surrando o chão de Arimos que é onde Tifeu,
dizem, descansa; e como se assim fosse, treme
a terra a seus pés, ágeis no solo marchando.
Como o leitor observa, busquei manter os procedimentos apontados e exagerei noutras passagens, visando, quem sabe, deixar mais claro para o leitor a estrutura em anel. Assim, abro e fecho com o verbo "marchar" e incluo a repetição de Tifeu na posição de última palavra do verso, o que lhe adiciona ênfase.
Encontraremos exemplos de composições em anel em vários outros poemas gregos de períodos um pouco posteriores. Um exemplo que me ocorre de cabeça é o do fragmento 16 LP de Safo, a chamada ode a Anactória. Muitas vezes estruturas assim dão uma certa sensação de harmonia ao leitor graças aos paralelos inteligentes que traçam dentro de si, mas também penso que seria o caso de supor que ela serviria como uma espécie de muleta para que o aedo memorizasse os versos e organizasse sua composição. Ainda, a estrutura em anel nos permite ver mudanças sutis na estrutura da passagem narrada, indicando que embora algo tenha retornado, retornou de um jeito diferente.
No caso de Homero, um exemplo útil seria aquele dado por John D. Niles ao discutir a composição em anel em uma passagem do Canto II da Ilíada. Nela é difícil não imaginar que a estrutura em anel amarra o trecho de maneira muito justa, passando para o leitor um pouco da potente organização do exército em marcha e, principalmente, pontuando de maneira precisa o símile desenvolvido, quase à maneira de abraçá-lo ou cingi-lo realçando semelhanças e contrastes.
οἳ
δ᾽ ἄρ᾽ ἴσαν ὡς εἴ τε πυρὶ χθὼν πᾶσα
νέμοιτο:
γαῖα
δ᾽ ὑπεστενάχιζε Διὶ ὣς τερπικεραύνῳ
χωομένῳ
ὅτε τ᾽ ἀμφὶ Τυφωέϊ γαῖαν ἱμάσσῃ
εἰν
Ἀρίμοις, ὅθι φασὶ Τυφωέος ἔμμεναι
εὐνάς:
ὣς
ἄρα τῶν ὑπὸ ποσσὶ μέγα στεναχίζετο
γαῖα
ἐρχομένων:
μάλα δ᾽ ὦκα διέπρησσον πεδίοιο.
Nas traduções, respectivamente, de Odorico Mendes, Carlos Alberto Nunes e Haroldo de Campos:
Os demais Graios fervem, qual se a flama
Vorasse a terra; e a terra do estrupido
Muge e calcada geme, como quando
Em cólera o Tonante o chão verbera
De Arima, em que Tifeu se diz repousa.
Eles transpunham rápido a campina.
Os outros Dánaos avançam qual fogo que o solo abrasasse.
Tal como a Terra que geme ao mostrar-se agastado Zeus grande
que com os raios se apraz quando em torno a Tifeu a vergasta
entre os Arimos, local onde se acha Tifeu, é o que dizem:
do mesmo modo estrondava com o peso dos pés o chão todo
quando os heróis avançavam cortando ligeiros o campo.
Os outros avançavam como se um incêndio,
ctônico, voraz, lavrasse pelo plaino
rechinante; assim Zeus, amador-de-relâmpagos,
em Arimos, vergasta o chão onde Tifeu
(dizem) dorme; rebrame a terra toda e toda
estruge, sob os pés em marcha acelerada.
Existe um paralelismo acentuado no trecho. O avanço das tropas helênicas rumo a Troia é entremeado de um episódio mitológico, mas de tal modo que exista como que uma proporção na maneira com que Homero introduz a cena, bastando que o leitor observe o uso de uma palavra como Τυφωέϊ no terceiro verso do trecho citado e, já no próximo, em posição correspondente, o uso de Τυφωέος. De modo análogo, na primeira linha encontraremos ὡς, termo que se repetirá na quinta linha, e na segunda veremos γαῖα δ᾽ ὑπεστενάχιζε, sucedido por ὑπὸ (...) στεναχίζετο γαῖα na quinta. Um esboço de tradução, tendo como ajuda as traduções anteriores e a inglesa de A. T. Murray:
Marcharam como incêndio que limpasse o solo:
treme a terra a seus pés como tremeu com a fúria
de Zeus ama-relâmpagos torno a Tifeu
surrando o chão de Arimos que é onde Tifeu,
dizem, descansa; e como se assim fosse, treme
a terra a seus pés, ágeis no solo marchando.
Como o leitor observa, busquei manter os procedimentos apontados e exagerei noutras passagens, visando, quem sabe, deixar mais claro para o leitor a estrutura em anel. Assim, abro e fecho com o verbo "marchar" e incluo a repetição de Tifeu na posição de última palavra do verso, o que lhe adiciona ênfase.