Às parcas, de Hölderlin

Recordo a força avassaladora que desabou em mim quando li esse poema pela primeira vez nas páginas inesquecíveis do Poesia traduzida do Bandeira, o arrepio na espinha de um súbito clarão de imortalidade passageira, o sentimento de quando nossa cabeça, disse uma vez Emily Dickinson, é arrancada pra fora. Agradeço ao Guilherme pela tradução feita no calor do momento, logo após a epifania de descobrir que o poema alemão foi composto em estrofe alcaica, e a Wagner Schadeck por, segundo suas próprias palavras, tentar imaginar como seria Ricardo Reis tradutor. Nós agradecemos, meus caros, nós agradecemos.

Das versões trazidas a lume, sei também mais de uma do Antonio Medina Rodrigues, à qual infelizmente ainda não pude ter acesso.


AN DIE PARZEN

Nur einen Sommer gönnt, ihr Gewaltigen!
Und einen Herbst zu reifem Gesange mir,
Daß williger mein Herz, vom süßen
Spiele gesättiget, dann mir sterbe!

Die Seele, der im Leben ihr göttlich Recht
Nicht ward, sie ruht auch drunten im Orkus nicht;
Doch ist mir einst das Heilge, das am
Herzen mir liegt, das Gedicht gelungen:

Willkommen dann, o Stille der Schattenwelt!
Zufrieden bin ich, wenn auch mein Saitenspiel
Mich nicht hinabgeleitet; einmal
Lebt ich, wie Götter, und mehr bedarfs nicht.


trad. Manuel Bandeira
Mais um verão, mais um outono, ó Parcas,
Para amadurecimento do meu canto
Peço me concedais. Então, saciando
Do doce jogo, o coração me morra.

Não sossegará no Orco a alma que em vida
Não teve a sua parte de divino.
Mas se em meu coração acontecesse
O sagrado, o que importa, o poema, um dia:

Teu silêncio entrarei, mundo das sombras,
Contente, ainda que as notas do meu canto
Não me acompanhem, que uma vez ao menos
Como os deuses vivi, nem mais desejo.

§

trad. José Paulo Paes
Dai-me, Potestades, mais um verão apenas,
Apenas um outono de maduro canto,
Que de bom grado, o coração já farto
Do suave jogo, morrerei então.

A alma que em vida nunca desfrutou os seus
Direitos divinos nem no Orco acha repouso;
Mas se eu lograr o que é sagrado, o que
Trago em meu coração, a Poesia,

Serás bem-vinda então, paz do mundo das sombras!
Contente ficarei, mesmo que a minha lira
Não leve comigo; uma vez, ao menos,
Vivi como os deuses, e é quanto basta.

§

trad. Wagner Schadeck
Pra mim, um só estio, Potestades,
E um só outono de canções maduras,
E, satisfeito desse doce jogo,
Meu coração apronta-se a morrer.

A alma que em vida não servira às leis
Divinas no Orco não repousará;
Mas surgindo o sagrado, que me habita
O coração, sucede-me a Poesia:

Bem-vindo sejas, ó sombrio reino!
Irei alegre, embora a minha lira
Não me acompanhe. Mas por uma vez
Vivera eu como os deuses. E isto basta.

§

trad. Guilherme Gontijo Flores
Ó Potestades, peço mais um verão,
mais um outono pra madurar canções,
meu coração tranquilo neste
jogo tão doce e depois a morte!

A alma que na vida não segue as leis
divinas, no Orco nunca recebe a paz,
mas se eu lograr o que é sagrado
no coração, o poema brota.

Bem vinda seja a calma dos ínferos!
Irei alegre mesmo que a cítara
não venha junto — tive um dia
vida de deuses e mais não peço.


Ricardo Reis
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
        De rosas —
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
        Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
        E basta.