Sabendo que certamente vou voltar muito a este tema,

revejo a postagem sobre a antologia de poesia contemporânea a sair pela Cia das Letras, só que agora levando em conta um texto interessante escrito no Suplemento Pernambuco, publicado antes do meu e que levantou questões no mínimo peculiares. Sei que minha posição não foi nem um pouco satisfatória naquele texto, sendo, até mesmo, o mais legítimo representante do ficar em cima do muro. Não faz mal. Fico com aquela tese do Benjamin na cabeça, de que o crítico tem que tomar partido ou então calar-se, de que é um estrategista etc etc, mas é que às vezes vestir a túnica de espírito mefistofélico parece ser mais interessante, sem nem contar que a tomada de partido não se dá sem uma reflexão prévia e sem um cuidado obrigatório (por exemplo o de ler com tardar as teses do próprio Benjamin).

O articulista trouxe informações que, embora tenham até me ocorrido en passant, acabou que por um motivo ou outro eu não incluí no meu texto. Em específico essa de que a antologia busca uma conexão com a celebérrima antologia lançada pela Heloísa Buarque de Hollanda na década de 70, referente à poesia marginal. Como assinalado pelo próprio Suplemento Pernambuco, essa antologia da Heloísa foi em muitos sentidos responsável por moldar ou, se quisermos um termo menos carregado, responsável por dar o primeiro lampejo público do que seria a poesia que ocorria naquele exato instante. Ela apertou o botão do interruptor e ligou algumas lâmpadas do aposento. Sabemos que a uma antologia destas se seguiria outra, na década de 90, que retomaria alguns pontos de discussão com a anterior, sem, creio, toda a posição de ponta de lança (Marcos Siscar, ouvido pelo Suplemento, fala de um caráter inegavelmente icônico).

Ainda segundo a antologista, a poesia exposta em 26 poetas hoje era de “alcance precário”, renovara os “impulsos desclassicizantes do modernismo” e trazia a “atualização da recusa ao convencional”. Posteriormente, em fins dos anos 1990, ela reconheceria esse “malabarismo” de ideias para justificar a reunião desses poetas. Também reconheceria a ausência do argumento político na apresentação da obra, lançada em plena ditadura numa sociedade até hoje injusta sob diversos aspectos.

O alcance precário não está dizendo, caso quiséssemos retirar das catacumbas o argumento de Felipe Fortuna numa polêmica de meados do ano passado (já comentada aqui no bloguinho), que mesmo quem elogia a poesia marginal de algum modo reconhece sua insuficiência, sua falta de qualidade and so on. Alcance precário é justamente graças a essa "ausência do argumento político na apresentação da obra". Numa entrevista feita com Chacal no mesmo portal literário, só que com perguntas enviadas bem antes que só foram respondidas agora, o poeta também diz que achou estranhas algumas das escolhas de Heloísa:

O seu caráter político [reconhecido pela organizadora no posfácio da edição de 1998 ― nota do Suplemento] ficou enfraquecido por essa grande abrangência e falta de critérios mais precisos. Ficou uma antologia nebulosa. Nem um registro mais preciso da poesia marginal, nem uma coletânea apurada de poetas dos anos 1970.

De fato, linhas antes ele dirá que a produção marginal é anti-grafo-cêntrica (hífens por conta da casa), ou seja, ela necessariamente demanda uma consideração a respeito das linhas de produção poética que se valeram do corpo ou de imagem, por exemplo, e que, portanto, não cabem de maneira tão simples na página impressa. Daí também a sua sugestão de que a poesia marginal deveria ser registrada em filme, pois aí sim poderíamos chegar a uma antologia que, ao contrário de 26 poetas hoje, "sangrasse" (Chacal dixit).





O ato de criar uma antologia é um ato crítico. Diz Heloísa que "A escolha, o recorte, a introdução revelam isso com clareza". Nada mais certo. Do mesmo modo, Marcos Siscar vai além e diz que pode ser visto como um ato político até, no que, creio que já prevendo o maremoto de merda que uma expressão dessas causaria na caixa de comentários, emenda: "no sentido de que se faz 'política literária'. É um recorte, que procura dar sentido ao contemporâneo". De novo, nada mais certo, embora, quanto a ideia de que uma antologia estaria fazendo política por dar sentido ao contemporâneo, devamos impor a ressalva de que uma antologia de poemas sobre bichos provavelmente não estaria tentando dar sentido nem ao contemporâneo e nem ao passado, e às vezes acho até que sua concepção crítica poderia restar um tanto quanto defasada se, como dito no texto passado, a razão de escolha for a de simplesmente colocar um poema sobre um bicho muito do esquisito.

Que tipo de ato crítico existiria aí? Não digo que ele simplesmente inexista, pois, a esse respeito, uma antologia de poemas sobre bichos não poderia se furtar de incluir alguns dos mais célebres, no sentido de que se ela for uma antologia internacional, por exemplo, o mínimo que se demandaria seria algo de Esopo, La Fontaine e Marianne Moore. Do mesmo modo, embora seja razoável dizermos que o antologista possa incluir um poema menor ali no meio pelo motivo já dito, é também de se supor que ele possa incluir um poema sobre bichos escrito por um autor renomado só pra mostrar algo do tipo grandes-autores-também-falaram-disto. O ponto não é nem tanto esse, todavia. Eu digo que: embora ele possa colocar um poema mediano no meio, um de qualidade duvidosa ("qualidade", aqui, entendido apenas como o-que-os-críticos-de-um-modo-geral-pensam-a-respeito), isso não quer dizer que ele vai colocar uma porcaria em nível cancerígeno ali no meio da antologia.

Sendo, portanto, ato crítico, e envolvendo escolhas e comprometimentos, o articulista indaga:

Quais reuniões de poesia publicadas por grandes editoras têm se preocupado em fornecer algum tipo de interpretação do contemporâneo com base nas produções dos últimos 10, 15 anos?

Aqui já fazendo questão de deixar claro que por interpretar o contemporâneo ele parece sugerir questões de ordem claramente social, no que cita o Mensalão em 2005 ou as Jornadas de Junho.

Bem. Difícil dizer. Conheço antologias respeitáveis que não me pareceram ter se preocupado tanto com isso. A antologia da poesia dos anos 2000 feita por Marco Lucchesi, saída na coleção Roteiro da poesia, é um exemplo, assim como a antologia de poesia contemporânea lançada há pouco mais de dez anos atrás, também pela Cia das Letras sob o selo Boa Companhia, é outro. Além do mais, conheço reuniões por editoras pequenas que também não se preocupam tanto assim com política. Uma, por exemplo, lançada ano passado pela editora goianiense Nega Lilu não me pareceu ter esse tipo de preocupação, e outra, a ser lançada pela Patuá, apenas reúne poemas contemporâneos sobre gato. Sei que, por outro lado, de 2013 pra cá houve uma revivescência de antologias participativas no cenário nacional, das quais poderia citar Dimenor, Aquafúria, 29 de abril: o verso da violência (uma das melhores, aliás, lançada pela Patuá), Poesia como arte insurgente, Ossos de escrever ou Golpe: antologia-manifesto (esta última publicada pelo próprio Suplemento Pernambuco). Que nenhuma destas antologias tenha saído por uma grande editora parece de algum modo revelador, ainda mais se considerarmos que acho que metade ou cerca disso devem ser virtuais até.

Aqui estamos tratando de antologias que possuem um enfoque político específico, digo inclusive com um nítido viés de esquerda. Boas ilações poderiam ser tiradas daí, entre elas de que a esquerda de um modo geral possui um discurso de união que nem sempre a direita possui (mesmo porque a direita apresenta pelo menos uma clivagem interna ― liberais e conservadores ― que dificulta e muito um discurso desses), mas também, pra virar o tabuleiro de cabeça pra baixo, a ilação de que no geral costumamos enxergar com muito mais facilidade o panfletarismo poético ou a ideia de uma participação político-social no caso de poemas que de algum modo refratem e trabalhem esteticamente questões levantadas pela esquerda, ao invés do que ocorre com a direita, ou seja, aquilo que Terry Eagleton disse a respeito de que, quando chamamos um autor de panfletário, nós dificilmente o dizemos tendo em vista que esse cara está propagandeando ideais conservadores, por exemplo, embora a possibilidade de um panfletarismo católico seja tão válida quanto a de um panfletarismo comunista.

O enfoque temático, vamos dizer assim, é explicitado quando o articulista cita nomes como Roberto Piva, Chacal, Leonardo Froés e Leila Miccolis, comentando, logo após, que tais poetas "expõem a lida política sob diversos temas: homossexualidade, tradição, naturalização do corpo feminino, o contexto político da época e temas correlatos." O interessante, todavia, de ver uma formulação dessas é que se nós voltarmos para a entrevista de Chacal antes citada, nós encontraremos uma resposta como:

Fazer uma antologia é o mesmo que dar uma premiação. Vibram os contemplados. Reclamam os que não entram. Critério político é publicar bons e boas poetas. Não existem mais movimentos, propostas definidas, mas existe sempre boa poesia, que é o que importa. A melhor antologia é a estante da sua casa. Cada um tem a sua.

Resposta, claro, que vai de encontro à recente série do poeta em que ele dá conselhos curiosos (de tão pertinentes, curiosos) para o poeta iniciante, por exemplo:

          alô poeta

          primeiro: escreva muito, escreva pouco, escreva bem.
          depois, veja o que acontece.
          aí, mesmo que chore, ria. (relaxa os músculos da cara).

          se você for um rebelde revolucionário
          e quiser explodir esse mundo patriarcal capitalista,
          não esqueça de tirar o MEI (Microempreendedor Individual.)
          pode ser útil.

          mas não esqueça. primeiro: escreva bem.

Ocorre, porém, que o enfoque político não é só o de poemas que trabalhem com questões políticas prementes de nosso tempo. Aqui, claro, já estou partindo do princípio que esse trabalho pode ser feito tanto alicerçado numa ideologia de esquerda quanto numa de direita, ou seja, não basta pressupormos de algum modo que o poema para ser político deva tratar o impeachment como o fim do mundo para que só assim seu status de político fosse reconhecido. Não sei até que ponto se trata de uma indagação relevante, nem tanto por pressupor que o articulista tenha negado às escuras a possibilidade de que o poema saído da pena de um conservador traga indagações políticas fundamentais, mas muito por partir do princípio que alguém ali no meio da plateia, agasalhado na bandeira do partido, no fundo, no fundo nutre uma ideia assim, de que o camarada ali da direita necessariamente precisa ser um analfabeto político. Uma antologia com poemas políticos alicerçados, como dito, numa ideologia de direita (ou numa crença qualquer que seja contrário ao esquerdismo, visto que é a partir desse circunlóquio que o pessoal da direita costuma vender o peixe) não deixaria de ser menos política em decorrência disto.

Como dizia, porém, o enfoque político é também no sentido de que a diversidade da antologia é baixa. Afinal de contas, só tratar de temas políticos poderia ser resolvido de maneira simplíssima, bastando que se monte uma antologia exatamente nesses moldes só com gente do quadradinho étnico de sempre.

mas se a ideia de diversidade (quanto a origens desses artistas e, consequentemente, estéticas e conteúdos) não faz parte da primeira descoberta (ou marketing) do livro, certamente as chances dela existir na obra é pequena, já que se trata de ideia forte demais para ser negligenciada em uma divulgação. Da breve lista fornecida pela editora, ainda que haja homossexuais, não há pessoas negras. Ou brancas de origem periférica – isso para lembrar apenas os grupos socialmente minoritários mais conhecidos.

Um pouco depois complementa, num parágrafo realmente muito bom:

No caso em questão, escolher o que entra ou sai de um livro é uma questão individual, mesmo que o processo de escolha sofra muita influência de uma estrutura social que forma pessoas e direciona suas preferências (além, também, de um editor). Mas é possível realizar opções dentro de um escopo preocupado com diálogos entre arte e o presente. Que esteja atento às formas pelas quais, pela presença ou ausência, certo grupo de poetas das mais diversas origens e abordagens vão mimetizar a realidade.

Enxergo problemas, todavia. Prometo que não vou mais pincelar a nêmesis do argumento sobre o caráter político de uma antologia ― quer dizer, aquilo de que reclamar a presença de mais poetas conservadores representaria uma preocupação política igualmente legítima. Do mesmo modo, não é o caso de dizermos que a antologia montada por Calcanhotto tenha sido um horror no quesito da diversidade de pessoas ali dentro, visto que temos um número satisfatório por exemplo de mulheres. O que acontece é que a diversidade de artistas, homossexuais e negros, pra citar os exemplos do articulista, não necessariamente implica que tais poetas criarão "poemas com ideias inclusivas ou reflexivas sobre o social", pra me valer da expressão com que Angélica Freitas é apresentada (como ponto fora da curva).

Aquele "consequentemente" ligando "a origens desses artistas" e "estéticas e conteúdos" é problemático justamente por isso. Parece razoável supormos que artistas de grupos minoritários tragam à tona uma poética distinta do caráter geral de uma antologia que pareça ter minimizado o critério da diversidade e tenha mostrado figo para um posicionamento político. Todavia, a corda que une as duas expressões não pode ser uma relação automatizada nem muito menos um ditame. O objetivo não é que poetas de origens distintas (a expressão me parece realmente muito boa) compareçam na peregrinação para depositar aquele tipo de moeda extravagante que sabemos que só eles podem e devem portar. (Comecemos dizendo que em última instância uma moeda dessas non ecziste.) Isso com muita facilidade pode ser contornado e transformado no ditame de que artistas negros compareçam apenas para falar de temas próprios da etnia negra (ou o que o intelectual de gabinete assim nomeia como sendo), o que, na prática, significaria comparecerem apenas pra depositar alguns centavos poéticos a respeito do racismo.

O objetivo não é este. No contexto de uma antologia que pretenda um conteúdo político se torna, repito, razoável dizermos que algo do tipo ocorrerá (ou seja, razoável dizermos que um poeta negro terá coisas diferentes a dizer sobre um tema como o racismo), mas a política feita no sentido de selecionar artistas de origens diversas não pode se resumir a esse tipo de trato. Uma mulher tem de comparecer em antologias independente do tipo de poesia que ela escreva. Quando se reclama da falta de mulheres em antologias, é questionando se o número de boas mulheres escrevendo, seja lá que tipo de coisa estejam escrevendo, é tão baixo e tão recorrente assim. Com toda facilidade do mundo o universo mágico das antologias, afinal de contas, poderia incorporar a amiga poetisa se e somente se ela escrevesse uma sátira ao patriarcado, excluindo, de maneira tão ágil que nós mal prevemos seus movimentos, aquela outra mulher que tenha pretendido um poema órfico qualquer, ou um experimental.

De sorte parecida, não sei até que ponto uma antologia que queira fazer um retrato de época, trazendo para seu bojo um número amplo de poéticas, possa se traduzir num posicionamento político pobre ou num alcance precário, como, de resto, a própria Heloísa havia comentado sobre seu trabalho em 76. Uma antologia de poemas sobre o impeachment, por exemplo, que traga tanto poemas que o vejam como a aurora de novos tempos, quanto poemas que o vejam como o apocalipse, pode no frigir dos ovos ser tida como genérica demais e de escolhas duvidosas, quem sabe até mesmo como deixando de possuir um conteúdo político definido ("definido", aqui, sinônimo de "uniforme"), quando, pelo contrário, seu propósito de reunir posturas conflitantes me parece ser um posicionamento político no mínimo notável.





Não estou certo, por fim, que o sentido de política na criação de uma antologia, em específico se tomarmos como base a maneira com que o articulista abre a segunda parte de seu texto, com depoimentos de Heloísa e Siscar, tenha sido de todo apreendido. Os eixos centrais são os de se selecionar poemas que abordem questões políticas prementes de nosso tempo, ao mesmo tempo em que representem uma diversidade na hora de incluir poetas de origens distintas. Se Adriana Calcanhotto tinha a liberdade de adotar um posicionamento político, diz o texto, uma liberdade no mínimo maior que a de Heloísa ao publicar a sua antologia, então o fato de que não tenha incorrido numa escolha assim é um gesto de tanto impacto político quanto (pelo que o texto dá a entender) revestido de um escapismo reprovável.

Não sabemos qual foi o real critério usado na seleção de poemas, embora existam dicas na descrição do livro (já disponível nos sites que realizam sua pré-venda), onde a antologia é caracterizada como "pessoal, intransferível, autoral, ou o contrário", e, um pouco mais à frente, "É o meu livro de férias" ― de se notar também, naturalmente, que uma vez que a antologia quis algum contato com 26 poetas hoje, podemos espichar o pescoço e antever o propósito de ser o retrato de uma geração ("um panorama vibrante e múltiplo da poesia atual espalhada em saraus, blogs e, por que não, livros", mais uma vez conforme a descrição), ou no mínimo uma antologia que seja representativa ou icônica na obra dos artistas envolvidos (artefato que alguns poderão emoldurar na sala de estar). Pode-se presumir também num critério de afinidades pessoais da antologista, o que, de resto, a resposta da editora o atesta bem: "Não há nenhum critério político para essa seleção, apenas a produção poética mesmo." Ora: a definição do que seria esse "a produção poética" é muito vasta, e por si só dá muito pano pra manga. Do mesmo modo, não é porque a antologia não tenha tido um explícito intento político que, por conseguinte, como disse no texto passado, nós leitores estejamos impedidos de enxergar algum propósito inexistente no ato originário.

Pedir por um conteúdo político numa antologia, aliás, é algo interessante. Disse no texto passado que hoje existe um ditame pela pluralidade, mas diante do texto no Suplemento Pernambuco eu já não sei. Problematizei-me. Que o articulista tenha demandado um posicionamento político implica a exigência de um recorte mais preciso, até mesmo uma crítica quanto à ideia de que hoje a poesia é plural e que isto representa sua maior riqueza. Ou seja: se é plural mas não incisiva, isto não deixa de ser uma virtude, naturalmente, mas também não deixa de ser uma pena.

Sonhar que uma grande editora vá publicar uma antologia com proposta política, entendida aqui especificamente com base no eixo do trabalho artístico em cima de questões de nosso tempo (mais, como vimos, do que a diversidade cruamente considerada), é isso mesmo: um sonho. Possuiria um apelo comercial muito mais reduzido. Qual o problema de equacionar as questões a partir desse ponto de vista ― econômico, editorial? Do mesmo modo, embora a crítica de Chacal, em sua entrevista, de que uma editora do porte da Cia das Letras se dedique apenas à publicação de poetas mortos, seja uma crítica que ganhe certo interesse, por outro lado não se pode negar que a publicação de muitos desses poetas, além de mostrar que o editor-chefe da Cia das Letras ainda carrega com carinho no bolso seu passado como editor de poetas, mostra também como de uma relevância insuspeita, se considerarmos que autores como Paulo Leminski e Ana C. possuem impacto muito forte na formação de novos poetas hoje.

Por mais que tenha reconhecido que o critério dos dedinhos seja algo a que devemos prestar mais atenção, não quis dizer com isto, exatamente, que devamos pensar numa antologia de matizes políticos tão acentuados quanto a proposta pelo articulista. É um tipo de proposta de antologia inteiramente válida e, como mencionado, muito praticada de uns tempos pra cá, mas o tipo de diversidade a que estava me referindo não envolve apenas o trabalho de determinadas questões, que, como também mencionado, pode com muita facilidade se transformar num alçapão. Reunir poetas a partir de um princípio crítico firme e consciente, e fazer com que tal empreendimento crítico atue no presente, é uma iniciativa válida, mas não estou certo quanto ao ato de se caracterizar uma antologia (que se anuncia como incompleta, é bom ressaltar) de poesia contemporânea que não tenha sido alicerçada nesses mesmos princípios como uma antologia que, por conseguinte, dialoga menos com o presente ― bem, não sei se isso é lá muito certo, bastando que se veja que na descrição do livro é-se dito que os poemas compilados "têm uma característica em comum- falam sobre este momento, este minuto, este agora como nunca." Só teremos uma resposta definitiva quando o simpático livro de capa azul cair nas nossas mãos, mas, até lá, não me parece empreendimento tão miúdo assim que a antologia tenha se baseado apenas no critério afetivo ou que tenha realmente colocado o político em segundo plano em prol do poético. Um pouco de ênfase na beleza estética do manuseio das palavras pode servir de bálsamo e ser, quem sabe, estrategicamente até mais eficiente, se transformado num trampolim que leve o leitor à instigante aventura da poesia contemporânea ― e aí, caso o leitor prefira, compensará buscar por coisas políticas.

Um trailer. É, Chacal definiu muito bem. Um trailer. O leitor comum de poesia, o leitor que compõe o grosso de curtidas de páginas de sucesso em redes sociais não é o leitor que quer a política o tempo todo. Nós da intelligentsia (observe a maneira risível e sorrateira com que debaixo dos panos me incluo na festança) precisamos entender que pelo fato de que os jornais dedicam boa parte de seu tempo a notícias envolvendo a queda de deputados, não quer dizer que a rigor o tempo todo das pessoas seja dedicado integralmente à política. Se a participação na pólis for algo tão entediante assim, as reuniões só ficarão cheias até as 9h15. Você fala um pouco de política no elevador, você comenta um #Bolsonaro2018 como quem não quer nada... e depois está falando da Tia Lourdes, da partida de futebol, do peixe que pescou. O leitor pode até gostar de uma lacração de vez em quando, mas é preciso convir que esse tipo de consumo é muito mais restrito do que a bolha das redes sociais dá a entender. A participação da poesia no seio da sociedade não é feita só apontando o dedo para um ônibus em chamas. O ricochete que um poema lírico causa no espírito também pode causar uma reflexão social mais ampla, mesmo porque nós nunca lemos um poema e ficamos em quarentena depois disso. Se leio um poema que fala da vida como um sopro e, logo depois, vejo cabeças decepadas rolando no barro de um presídio, isso pode causar um impacto em mim muito mais forte do que necessariamente desconstruir grades e coturnos.