um poema de cummings



é certamente um dos mais famosos dele, já chamado, aliás, de o mais perfeito poema de sua lavra. ele deixa bem claro a inventividade esplêndida e aquele vigor imperecível que a poesia de cummings, como a de poucos, é capaz de dar. quer dizer: não é só uma coisa de arranjar de modo que fique bonitinho ou parcamente interessante; é algo além disso, fazendo da visualidade do texto uma fonte semântica de primeira escala. a começar da semelhança que o l, no original (quer dizer: dentro da fonte, em específico, escolhida por cummings), possui com o numeral 1, permitindo à gente ler uma referência a one, o que por seu turno implica, de modo literal, a ideia do isolamento. (aliás, fun fact: esse poema era o poema número I da coletânea 95 poems.) é também o que veremos com o parêntesis incluso meio que a fórceps no meio da palavra loneliness, realçando o isolamento e uma certa sensibilidade à flor da pele por parte do poeta, visto que o que ocorre lá fora está dentro da solidão e está devidamente apartado pelos colchetes. outros truquezinhos ao longo do poema envolvem a possibilidade de lermos, na quarta estrofe, a palavra one, bem como a possibilidade de, unindo esta estrofe com a seguinte, lermos um termo como oneliness, isto é, unicidade. além, claro, da própria força sonora do texto, que nos brinda com o belo efeito sonoro em leaf falls como que imitando a queda da folha ao longo do texto, do momento em que ela estaria presa ao galho (o l na primeira estrofe) ao momento em que ela rodopia (o jogo da vogal a e da consoante f na segunda estrofe, bem como o duplo ll na terceira seguido do l, sozinho, na penúltima) e desaparece em iness.

não é fácil traduzir isso tudo. é um poema tão belamente construído que absolutamente todos os detalhes devem ser considerados, o que explica, em absoluto, o cuidado extremo da versão de augusto de campos, elogiado, entre tantos, por josé guilherme merquior. não só augusto busca por uma fonte que incuta a ambiguidade do "l" e do numeral "1", como também se preocupa em detalhes como incluir a palavra "só" na primeira estrofe ou manter o "l)l" na terceira. (além, claro, de sua homenagem ao haicai na penúltima, belíssima.)

compilo aqui algumas traduções que encontrei do poema, entre elas uma recente de ivan eugênio da cunha. em minha versão, como eu acabei me socorrendo não só na similaridade entre o "l" e o "1", como também, em menor escala, na similaridade entre o "l", o "i" e um pouco dos parêntesis, busquei por fontes que apresentassem essa dita similaridade entre os caracteres, de modo que, pelo menos, eles possuíssem entre si a característica de serem finos. por isso usei a fonte Bernard MT Condensed para o texto como um todo e, para o caractere dos parêntesis, usei a fonte alemã Hattenschweiler, alterando algumas coisas aqui e ali (recuando, por exemplo, as pontas do parêntesis e engordando-o, visando, assim, aproximá-lo visualmente mais do "l" sem, claro, deformá-lo ou descaracterizá-lo).

isso visualmente. na primeira versão que fiz, temos, no primeiro verso, um "i" que corresponde, de forma tênue, ao "l/1" do original, mas temos, também, a vogal "o", que por ser artigo definido indica, portanto, unidade: "o poema", por exemplo. na segunda estrofe tentei ter o cuidado de manter algo com duas letras por verso. já na terceira, diante do "ll/11" do original, busquei corresponder com o "a", que, em inglês, seria também "um" (e não pense que recorrer a outra língua é um absurdo pois, de resto, no início da segunda estrofe do original, "le", em francês, corresponde a "um"), mas que, em português, é, ainda, artigo definido. infelizmente não consegui algo que chegasse à mesma felicidade de augusto de campos, mas, de resto, o objetivo era justamente o de fazer a coisa andar, propondo soluções novas. já na quarta estrofe eu consegui compensar pois abri com "i" e fechei com "l", mais uma vez com todo aquele esquema comentado anteriormente, e, não bastasse (as alegrias de um tradutor!...), ainda me saí com um "so" no segundo verso da estrofe, que, claro, liga-se a "só" (aqui, basicamente, a mesma coisa que augusto no primeiro verso). por fim, não consegui nada de muito significativo quanto ao iness do original nem quanto à leitura que norman friedman faz a respeito daquilo de se juntar os três últimos versos e chegar a oneliness (unicidade). o mesmo quanto ao movimento imagético-sonoro que o poema faz da folha caindo (mas noto, todavia, que consegui a palavra "solo" aí no meio). há quem leia em "iness", no final, a sugestão de "I-ness", implicando, assim, um realce do "eu", o que minha opção por manter o verbo com a posição enclítica contribui (isto é, "o-me", realçando o oblíquo átono "me").

na segunda versão, temos os tanto o "i" quanto o ")" e o "l" logo no início, como se fossem todos folhas de um mesmo galho. aqui eu mudei a ideia de uma folha caindo para a de um lírio ao léu, preocupando tanto com uma sonoridade que correspondesse ao leaf falls e, por conseguinte, a toda a finíssima sonoridade da estrofe (vide o duplo "i", o duplo "o", o jogo "io-ao"), quanto com um melhor aproveitamento desse mesmo "l" ao longo do poema. não quer dizer, claro, que a opção tenha sido isenta de riscos notórios: a imagem da folha caindo no original de cummings não é gratuita uma vez que se liga à imagem do outono, estação do ano comumente relacionada à solidão, bem o contrário do que minha sugestão, toda primaveril, deixou transparecer. é o mesmo sobre traduzir loneliness por "isolamento", opção que segui em minhas duas versões e que tanto ivan eugênio quanto dirceu villa antes usaram. oras: nem toda solidão é isolada; penso por exemplo na solidão baudelairiana, que, já dizia walter benjamin, era uma solidão acompanhada... mas enfim. tergiverso. na terceira estrofe reduzi o ll a apenas um "l", e, na quarta, perdi aquilo de abrir com um "i" e fechar com um "l", mas, em compensação, consegui um "eu" do ladinho de um "só".

acho que é isso. tentativas e nada mais.  incluo a versão escaneada da tradução de augusto de campos pois, como dito, uma vez que o original de cummings se beneficia dessa ambiguidade entre o "l" e o numeral "1", saída do fato da fonte ser serifada, então é importante trazer também o pacote completo, tintim por tintim, do jeitinho que o augusto bolou. incluo também a capa do livro, que apresenta uma outra versão do poema só que dessa vez colorida, sobrepondo uma camada de verde claro a uma camada de verde escuro.


trad. augusto de campos.
em: 45 poem(a)s, Brasiliense, 1986, p. 32-33.


*


§

trads. paulo de toledo.
em: germina, outubro de 2009. disponível aqui.


§

trad. dirceu villa.
em: blog pessoal do poeta, disponível aqui.

I(a

fo
lh
as

ef

oi)
so
l

amento

§

trad. ivan eugênio da cunha.
em: blog pessoal do poeta, disponível aqui.
i(c

ai
se
af

o

lha)
so
l

amento

§

trad. eu. 1ª versão.
i(a

fo
lh
ac

a

i)
so
l

o-me

*

trad. eu. 2ª versão.

i(l

ír
io
ao

l

é
u)so
l

o-me

*



l(a

le
af
fa

ll

s)
one
l

iness