Um poema de Natal de Ricardo Domeneck.

POEMA DE NATAL.

Bebê Mágico, amado, idolatrado, salva-nos, salva-nos,
nascidos como tu na pobreza feito filhotes de mansos vira-latas,
agasalha-nos na lã branca do teu casaco felpudo de jovens focas
se ainda és da candura e da graça o cordeiro
pois, por aqui, desde que morreste no país colonizado
por impérios onde ainda se digladia, quando pedimos, graça
tem mas acabou, e a candura anda
também muito em baixa nos mercados,
e quando caem as bombas em Al-Majalah,
de cordeiros e crianças não se distinguem as carnes
que são deveras fracas, Bebê Mágico,
não resistem a explosivo, projétil e lâmina,
disso estás mais que ciente, conheceste da carne a fraqueza
em espinho, cravo e lança, e quando em Gardez
reúne-se a família de Mohammed
Daoud, celebrando que se doara à luz outro infante,
sem estrela de Belém nem reis-magos que lhes tragam
oferendas, as forças especiais de Herodes
avançam pelos ares com helicópteros,
invadem a casa teto adentro e os tragam,
imolando mui democráticas homens e mulheres grávidas,
Bebê Mágico, eis que por um tempo cremos
que nos tirarias de sob o manto e jugo da Lei,
a do olho por olho, dente por dente, útero por útero,
e sobrevivemos passivos e crédulos na periferia
de Jericó, e ainda que uma vez por ano, por cinco dias
circundemos carnavalescos seus muros,
chacoalhando os adiados esqueletos
e tocando mui alto os tambores e as trombetas,
os muros jamais caem, Bebê Mágico,
ainda que já derrubados os cedros do Líbano
e do pau-brasil tornaram-se raras as frondes,
em verdade, em verdade sabes que logo haverá bezerros
mas não leões que possam com eles deitar-se sobre a palha,
e se ainda corrermos por vezes felizes pela duração
dos efeitos de nossos antidepressivos, será por eternos
campos de soja, enquanto do Egito fogem outros,
mas não se abre nem Mar Vermelho nem Mediterrâneo
à sua passagem, e de Babilônia resta hoje um mercado
para o comércio de armas, cá estamos,
cada um por si e todos contra todos,
Bebê Mágico, amado, idolatrado, salva-te, salva-te
porque em breve nestas plagas não há-de sobrar
pedra sobre água.
Ricardo Domeneck, Berlim, 22-25 de dezembro de 2015.
Disponível aqui.



Acho que não há muito o que ser dito a respeito do poema. Não vou ficar fazendo aqueles voos rasantes que mais parecem coisa de vestibulando, revelando segredinhos dos bastidores do poema como, por exemplo, que o poema está em versos livres. É um poema natalino. Ele seria, digamos assim, uma espécie de sirventês moral, no sentido de que aborda o desconcerto do mundo, um topos da poesia ocidental, conforme estudado por E. R. Curtius. A diferença é que ele está atrelado, aqui, à figura do menino Jesus, o que, por conseguinte, como se o poema fosse uma espécie de pingue-pongue, faz com que os antigos joguem a bola pra gente de novo. É o seguinte: Virgílio, na sua quarta bucólica, teria supostamente previsto o nascimento de uma criança que poria fim à época de ferro e traria a época de ouro. A poesia está sempre anunciando essa tal época de ouro, esses dias melhores, mas, no caso de Virgílio, a coisa foi tomada de maneira... hum... digamos... meio literal demais.

Vamos dar uma passada nessa bucólica de Virgílio. Ao todo são dez bucólicas. Como dito, estamos na quarta. Na tradução de Antonio José de Lima Leitão (aqui), diz o poeta, ali pro começo:

          Do evo o prazo jà vem cantando em Cumas:
          Nasce de novo a grande sèrie de eras;

Evo não quer dizer Evo Morales. Evo: eternidade. Cumas: lembre-se da sibila. Portanto, profecia. Um pouco depois:

          Tu ao menino aspira nado hà pouco,
          Que fim darà, primeiro, à férrea gente,
          E de oiro espalhará no inteiro mundo,

Como seria essa época de ouro? Bem:

                                     se de nossos crimes
          Alguns restos hà ainda; um teu aceno
          As terras livrará de horror perpètuo.

E:

          Por ti, menino, a terra os dons mais tenros
          Produzirà sem culto, e a cada passo
          Heras errantes c'o marroio nêgro,
          E a alfazema, que enreda o alegre acantho.
          Para casa trarão mesmo as cabrinhas
          Do dôce leite as têtas volumosas;
          Não temerà o armento os leões ingentes;
          Produzir-te-ha teu bêrço flôres suaves:
          Tem de morrer a serpe, e do veneno
          Tem de morrer essa hera atraiçoada;
          Virà em toda a parte o Assyrio amomo.

Isso não quer dizer que, exatamente, o globo literalmente será pacato, como o poeta diz um pouco antes:

          Terà vida de um Deus, Heroes mesclados
          Verà c'os Deuses serà delles visto:
          Guiarà c'o pátrio zêlo o orbe pacato.

Não quer dizer pois mire e veja:

          Tem de haver um novo Tiphys,
          E nova Argos, que leve Heroes de escolha:
          Tem de tambem haver novas pelejas,
          E irà de novo a Troia um grande Achilles.

Tiphys, ou seja, o comandante dos argonautas. Depois disso, não será preciso nem mesmo plantar nem jungir animais. Abundância total. Tem coisa melhor que isso? O poeta termina:

          Começa a agradecer, tenro menino,
          O maternal amor c'o dôce riso;
          Soffreu a mãe dez meses longas penas;
          Começa, meu menino: à meza os Deuses,
          Nem as Deusas no leito, não consentem
          Os que para seus pais se não surrìrão.

O garoto precisa agradecer, portanto, pois a mãe vai ter toda aquela trabalheira do parto. O agradecimento, claro, é seu simples sorriso, pois um menino tão arretado desses só basta existir.

Pois bem. Essa bucólica de Virgílio se tornou particularmente famosa pois, na Idade Média, ela era interpretada como um prenúncio do nascimento de Cristo. Alguns leem um prenúncio virgiliano de Cristo também na quinta écloga, mas foi na quarta que o bicho pegou. Pode parecer algo certo modo absurdo, mas existem alguns comentários, até mesmo mais recentes, que apontam para bases bíblicas desta bucólica, se considerarmos que é plausível que Virgílio tenha tido acesso a alguma coisa do Antigo Testamento (por exemplo Isaías). O desconcerto do mundo é posto em segundo plano e é, digamos assim, subentendido, mencionada apenas a idade de ferro. O nascimento da criança é necessário para que uma época de paz seja feita, mas, importante ressaltar, uma época de paz para um povo determinado: no caso, evidentemente, os romanos. Não é bem uma época de paz para todos. Quanto Virgílio menciona o globo se tornar pacato, ele provavelmente está pensando no sentido de que a dominação romana alcançaria o globo como um todo difundindo a paz por meio da espada. Um raciocínio elíptico.

Não chegarei a discutir até que ponto a sensibilidade de Domeneck, milênios depois, a respeito do assunto é uma sensibilidade necessariamente mais acurada, realista ou não. Podemos pelo menos dizer que, no caso de seu poema, a paz total e absoluta é uma necessidade. O polo é invertido, pode-se também dizer. Há quem interprete a criança como filho de nobres da época, por exemplo Marco Antônio e Otávia, mas, de todo modo, a criança ganharia uma fama, essa fama lhe assentaria e ela se tornaria um varão. Se tornaria gente grande, se tornaria nobre. No caso do poema de Domeneck, temos alguns indícios de que a criança nasceria também em meio aos mais simples, conforme a narrativa bíblica na qual ela explicitamente se baseia, com alguns toques aqui e ali que contribuem para tornar a situação mais extravagante, como quando o poeta menciona um casaco de focas. Jovens focas, melhor dizendo, o que só ajuda a dimensionarmos a situação: quantas focas não são necessárias, ora essa, pra se fazer um casaco... Focas jovens, então! É como se elas fossem um símbolo da juventude que, ao longo do poema, vai sendo imolada direta ou indiretamente. Não acho que seja um exagero interpretativo enxergar nesse simples casaco de jovens focas (e o adjetivo "jovens" é uma base forte) represente o peso sacrificial que a criança receberia nos ombros...

Do mesmo modo, é importante notar que no poema Domeneck está se referindo não a um Cristo que vai nascer, mas um Cristo que já nasceu. Mas entra a questão: um Cristo que retornará ou não? Bem. O Bebê Mágico não precisa de algo assim. Podemos pressupor que ele tem de retornar pois as referências são ao que acontece aqui na terra, de modo que não faria sentido o poeta recomendar ao Bebê que se salve no final do poema: se ele já está em outro plano, ele já está a salvo. Além do mais, trata-se de um poema de Natal, entendido aqui como nascimento fundamentalmente. Logo, podemos pressupor que o estrato de sentido do retorno de Cristo é forte. O problema é que Cristo, se retornar, não vai retornar de novo como criança e essas coisas. Ele já vai retornar para o acerto de contas. É improvável imaginarmos que ele retornará como uma criança. Mas no poema é importante para Domeneck manter que ele retornará como criança pois isso realça sua pureza, sua candura, e, ao mesmo tempo, ajuda a criar uma imagem até certo modo impotente dessa criança, como quando ele diz:

          crianças não se distinguem as carnes
          que são deveras fracas, Bebê Mágico,
          não resistem a explosivo, projétil e lâmina,

É importante na bucólica de Virgílio que a criança se torne um varão. Isso faz parte da manutenção da paz. No caso de Domeneck, é importante que nos refiramos a um Bebê. O que está em jogo é o reverso da moeda: não a conquista da paz, mas sua manutenção, sua garantia aos que não têm como se defender de nós mesmos, seus genitores. Uma criança impotente, sendo assim, tanto no sentido de que não possui uma estrela que lhe guiará reta e firme ao caminho do guerreiro, nem uma estrela divina que lhe resguarde. Existem outras passagens em que podemos ler uma impotência não necessariamente física. A impotência pode ser diante a destruição da natureza, retratada por Domeneck com agudeza na seguinte passagem:

                              em verdade sabes que logo haverá bezerros
          mas não leões que possam com eles deitar-se sobre a palha,

Essa impotência se liga a uma atitude pacata. O poeta não menciona em momento algum uma forma de insurgência violenta. Pelo contrário. A menção à batalha de Jericó é digna de nota pois, como sabemos, bastou aos combatentes fiéis de Jericó rodear os muros por sete dias pra que o Espírito Santo fizesse o resto. Por anos e anos os fiéis fazem isso, segundo Domeneck, e no entanto nada acontece. Isso dá um clima de abandonamento para o poema, o que pode ser lido também quando nos é mencionado que até a criança não vão reis magos dar presentes (ou, melhor dizendo: oferendas; note o sincretismo!...), e que Herodes, de helicóptero, faz a devassa (de se notar a ambiguidade do verbo "tragar", mostrando os dois lados da moeda). Estamos diante de uma criança sem o poder divino, portanto. Uma criança como qualquer outra. Que nasce humilde, humilde, à maneira daquela criança que nasce no final de Morte e vida Severina, de João Cabral.

O desconcerto do mundo, portanto, é implacável. A inversão no final do poema é evidente. Não poderia ser de outra maneira. A ocasião de se escrever um poema de Natal que fale a respeito de um Bebê Mágico, que, conforme o poema demonstra, parece perder o respaldo mágico-divino que possuía, ou, de resto, nunca tê-lo tido, já é uma situação pra que creiamos que o desconcerto do mundo será abrandado, mas, à medida que o poema avança, a simples constatação do desconcerto do mundo entreva a esperança de um novo alvorecer.

Os versos de extensão até grande são um tipo de verso que nós não encontramos muito hoje em dia. Seguindo em parte os resultados úteis das pesquisas desenvolvidas por Paulo Henriques Britto, poderíamos até dizer que esse verso de Domeneck parece se aproximar mais de uma matriz whitmaniana do que uma matriz williamsiana (referente a William Carlos Williams; pense-se nos versos, por exemplo, de Ferreira Gullar). Isto é: estamos diante de um verso de certa extensão que parece encerrar uma unidade de sentido e que tende a ser pontuado. Os versos de Domeneck no geral são pontuados e não se valem de um efeito de suspensão sintática frequente nos versos livres de matriz williamsiana, embora eles se valham de fortes cavalgamentos ao longo do poema e, de uns tempos pra cá, de um formato que tenda a ser afinado, com versos que, no geral, não ultrapassam as, sei lá, 7 sílabas poéticas (não quero com isso dizer que são versos metrificados; é pra você ter uma dimensão de alcance métrico).

O caso aqui é diferente. São versos de grande extensão, muitos deles, como eu disse, pontuados. Mas existem alguns versos realmente interessantes. A tendência do poema me parece ser esta: primeiro de tudo é preciso notar que estamos diante de uma simples frase, caudalosa, com idas e vindas. Em específico, essas idas e vindas parecem coincidir com a evocação ao Bebê Mágico, no sentido de que o poeta desenvolve uma imagem, vai até longe com ela, depois evoca o Bebê Mágico e reinicia outra. É o máximo de poder de revolução, digamos assim, que o Bebê ostentará ao longo do poema. Dentro dessa macro-frase do texto, toda vez que um verso termina com vírgula ele, por conseguinte, termina com uma unidade de sentido. Agora quando o verso não termina, ele faz um cavalgamento, e isso em níveis que vão desde o mais fraco, onde o cavalgamento é realmente menor e parece ser apenas uma decorrência da não pontuação no final (por exemplo no verso "em verdade, em verdade sabes que logo haverá bezerros / mas não leões (...)"), até versos que poderiam possuir uma unidade de sentido mas que, graças ao início do outro, a possuem de maneira problematizada (como, sob certo sentido, o verso que acabo de citar ou este, por exemplo: "agasalha-nos na lã branca do teu casaco felpudo de jovens focas / se ainda és (...)"), ou, por fim, aqueles que realmente apresentam um cavalgamento, como: "disso estás mais que ciente, conheceste da carne a fraqueza / em espinho, cravo e lança (...)".

Isso cria um efeito interessante ao poema. Nós quando lemos um verso longo não esperamos que lá na frente ele vá cair num cavalgamento. Nós pensamos: se o verso é grande, o poeta vai ter espaço pra desenvolver a ideia. Mas não é o que ocorre com Domeneck. Só em alguns versos nós realmente temos essa certeza, e isso porque o verso termina com vírgula. Mas em alguns casos nem mesmo o quase-terminar com vírgula é o suficiente. Veja-se: "por impérios onde ainda se digladia, quando pedimos, graça / tem mas acabou (...)". Seria o caso de dizermos, com Paulo Franchetti há alguns anos atrás, que os poetas hoje em dia apenas guilhotinam seus versos de maneira qualquer? É possível sim que essa seja a realidade de muitos, mas neste poema de Natal eu prefiro ver que estamos diante de um uso consciente e de interesse da ferramenta do cavalgamento. Afinal de contas, a ideia do cavalgamento permite o espraiamento de uma ideia, e, como sabemos no plano deste poema de Domeneck, essa ideia é uma ideia ruim, uma ideia que sufoca até o nascimento do Bebê Mágico. É importante que a informação consiga se desenvolver. E no entanto, ela é abruptamente cortada, nem sempre pra dar ênfase, mas cortada de modo que pareça indicar uma espécie de ruptura dentro daquela ideia terrível que nos é apresentada. O funcionamento dessa ruptura pode ser tanto no sentido de ser uma ruptura desagradável, como por exemplo no caso do exemplo que acabo de citar, onde o verso termina com "graça" e, logo depois, nos dizendo que essa tal graça até "tem mas acabou", ou, sob um sentido parecido, o caso de "(...) eis que por um tempo cremos / que nos tirarias de sob o manto e jugo da Lei", em que, caso o verso de algum modo terminasse em "cremos", faria com que déssemos um novo sentido a ele, talvez um sentido positivo.

Ou, pelo menos, nos casos em que um substrato positivo não parece ser possível, pelo menos o que de terrível existisse no verso até então, não fosse espalhado para o anterior. Pois é como se essa ruptura tentasse, de algum modo, dar fim à imagem terrível desenvolvida (como se o fim do verso fosse simbolicamente o fim de uma idade de ferro), quando na verdade o que acontece é que aquela é uma pequena pausa que parece apenas piorar a situação (de modo que, ao invés de retornarmos à de ouro, descobrimos que ainda estamos na de ferro), pois, graças ao recurso da ênfase, renova nosso fôlego para justamente aguentar mais. Oras: se os versos todos encerrassem unidades de sentido, nós leríamos e provalvemente não teríamos muito saco de ir até o final, mesmo porque, nesse sentido, o poema de Domeneck parece optar por uma via mais prolixa. Há aqui toda uma discussão que pode ser empreendida a respeito do se a concisão seria realmente desejável num poema desses, e eu me inclino a dizer que não, pois a prolixidade que os versos possuem são importantes pra que ele faça com que as imagens se tornem insuportáveis e anulem a força do Bebê Mágico, mas também pra que os paralelos bíblicos sejam desenvolvidos e esse retorno da História massacre, por assim dizer, a vinda do Bebê por mais lados ainda (embora aqui possamos notar que, graças aos instrumentos de atualizações de referências bíblicas, como ao mencionar as forças especiais de Herodes e seus helicópteros, o poeta dê a entender que concebe a História como uma recorrência de massacres). Mas, se aceitássemos que os cavalgamentos podem ser lidos, pelo menos simbolicamente, como uma espécie de atuação daquela ruptura que o Bebê Mágico representa (a ruptura de uma época de ouro dentro de uma época de ferro), essas rupturas são frequentes, dando a entender que os Bebês Mágicos na verdade são muitos (e, de resto, se eles não possuem propriamente um poder divino e mágico nós realmente podemos supôr que esse Bebê Mágico é toda criança que nasce, e assim voltaríamos à menção a João Cabral) e que, de resto, as rupturas que eles pressupõem não são suficientes pra aplacar o avanço inelutável do desconcerto do mundo.

"pedra sobre água". O ditado diz: pedra sobre pedra. A pedra sobre a água também retoma aquele da água mole e pedra dura. Se, de acordo com minha leitura, o cavalgamento é uma espécie de ruptura malograda, essa água mole, tendida pro lado do Bebê Mágico, não vai realmente conseguir furar a pedra do desconcerto do mundo. Mas também dá a entender a ideia de uma espécie de ponte, uma edificação sobre a água. Do jeito que as coisas estão, nem isso mais irá restar. Será o fim da idade de ferro pelas mãos da própria idade de ferro. Não será, propriamente, graças ao Bebê Mágico, que, no poema de Virgílio, tem de pôr a mão na massa pra realmente colocar o mundo nos eixos da idade de ouro. O que acontecerá, assim sendo, quando não sobrar mais pedra sobre água? Se for o fim realmente, então o nascimento dos bebês, no plural, ou de qualquer bebê que seja, será de fato mágico pelo simples fato de ser o nascimento de uma criança. Essa simplicidade irredutível, esse milagre cotidiano é o milagre que Domeneck de fato evoca. Claro que a ideia da pedra sobre água pode ser um aprofundamento ainda pior da idade de ferro, onde voltaríamos à barbárie mas sem desculpa nenhuma pra refrear as coisas. Mas isso ainda assim não anularia a força pura e simples desse bebê que nasce. Não podemos pedir dele que nos salve. Tendo em vista que fazemos tanto, e que do tanto que fazemos, tanta coisa é ruim, então que, ao invés da força desse bebê nos salvar, que ela se salve de nós. Não exatamente que nós a salvemos, pois nem nisso o poeta acredita mais. Talvez, quem sabe, mais uma razão para que o simples nascimento de uma criança seja necessário...