Crítica e pedra no sapato.
Se valoro negativamente um texto, passados aqueles segundos de incômodo e adentradas aquelas horas de ataque, surge sempre a pergunta: e se você ― no caso, eu, o crítico ― estiver errado? Afinal de contas,o crítico pode estar errado, não?
Sou um relativista em matéria de crítica. Não acredito em certo ou errado; nada impede que minha leitura seja reputada certa hoje, errada daqui a 100 anos e certa de novo daqui a 250. Existem boas ou más leituras, leituras consistentes ou não que são sempre confrontadas com outras leituras e outros parâmetros de posicionamento estético, mediados por instâncias geográficas, históricas, culturais etc. Mas, mesmo supondo que coisas assim realmente existam, então tudo bem, vamos lá: "Oh, sim, meu caro, perfeitamente, eu errado eu posso estar!" Mas não se esqueça que isto não mudará o fato de que os críticos continuarão sendo aquela figura incômoda que poderá muito bem ousar não gostar da sua querida obra ― e mais: ele pode ser aquela pessoa que interpretará, estudará, argumentará a respeito. Pode muito bem dar a entender, nos corações rancorosos, que o crítico é aquele que se esforça em falar mal ― quando, muito pelo contrário, ele é o intruso que se esforça em movimentar uma coisa que ele, crítico, acredita piamente (os artistas, quem sabe, nem tanto): o debate.
Assim, não basta se perguntar: mas o crítico pode estar errado, não é? Isso é pouco. O horror que recai sobre o ego artístico não está numa resposta afirmativa a uma pergunta assim. Ele parte da consideração fundamental de que a crítica é argumentação, ou seja, ele está na pergunta: e se, ao invés disso, o crítico puder convencer os outros do contrário? Ou, pra ser ainda mais preciso e incômodo: e se o crítico puder fazer com que todos convivam e considerem seriamente (de acordo, claro, com bons argumentos ou não) aquele ponto contrário?