Poesia após o 11 de setembro?




É o título de um excelente ensaio de Marjorie Perloff: Writing Poetry after 9/11.O argumento central do texto é: não caia na "armadilha", se é que dá pra falar em armadilha, do que o Duchamp chamou de infrathin (ultrafino?):

Marcel Duchamp cunhou a palavra 'infrathin' para a menor diferença possível entre duas coisas ou duas palavras e disse que o 'infrathin' é crucial para entender o mundo como o entendemos. 'Eat', ele insistia que não era a mesma coisa que 'ate'; 'tables' não é o mesmo que 'table'. A menor tensão e mudança pessoal importam. (...)

E é baseada na ideia do infrathin que não podemos, por exemplo, comparar o 11 de setembro com o holocausto de maneira meramente impactante, se esquecendo justamente da lógica do infrathin. O que é algo que pode ser inclusive aplicado a outras situações envolvendo o atentado:

Tão clichê e insípido se tornou nosso discurso público que muitos de meus amigos admitiram-se surpresos ao descobrir que aqueles que trabalhavam no World Trade Center não eram todos magnatas [rich stockbrokers] de um lado ou zeladores [janitors] do outro. O simples nome World Trade Center apontava para os males do capitalismo como o conhecemos. Mas então os comoventes obituários do New York Times revelaram que as vítimas na verdade eram pessoas mais ou menos como o resto de nós, trabalhando em toda sorte de empregos. (...)

Daí a conclusão da Perloff:

Cada situação, em outras palavras, é única, ao menos para o poeta. Comparações entre Bin Laden e Hitler, ou o Aparthaid sul-africano com Israel, ou o 11 de setembro com Pearl Harbor -- são sempre dúbias. Talvez políticos, querendo mobilizar tropas, não tenham outra alternativa senão evocar tais comparações, tais jargões sobre Fascismo ou terrorismo ou Impérios do Mal ou vigília americana. Mas a obrigação principal do poeta é 'manter a linguagem eficiente' refutando respostas fáceis e comparações injustas. (...)

O ensaio original pode ser lido aqui. Visite o site da autora. Marjorie Perloff é um dos maiores nomes da crítica de qualquer tempo, pelo menos nos critérios que uso para distinguir um bom crítico: vale dizer, amplitude de leitura, acuidade de análise, olhar atento para seu próprio tempo. Muitos de seus livros são tidos como imprescindíveis (por exemplo o Wittgenstein's Ladder, conforme resenha de Ricardo Domeneck, aqui). Assim, basicamente tudo o que você puder ler da autora, leia. Por exemplo, entrevistas. Por exemplo, a entrevista para a Cult (aqui), para o Jornal da Unicamp (aqui), para Rodrigo Garcia Lopes (aqui), para Régis Bonvicino (aqui).

No âmbito dos livros, posso recomendar pessoalmente:


Com resenha de Adriano Scandolara aqui. Pressuponho que, nela, o argumento central do livro já está exposto.