A Égide de Gil Vicente.
(Imagem de Gil Vicente retirada do joraga.net)
Traçar as linhas gerais disso daí, tendo em mente que já tivemos em nossa arqueologia um autor do calibre de Gil Vicente, é urgente. É necessariamente claro, claramente necessário quando notamos que existe uma égide para com o presente, para com o que presentifico.
Mas antes de iniciarmos, que o leitor tenha em mente a diferença entre teatro em versos e teatro poético, algo que sempre faz uma galera meter o pé na jaca.
É facinho: teatro poético é todo teatro que tem poesia em seu conteúdo, e que dá a entender que a poesia é o principal (o que não é lá muito difícil, visto que a poesia tende a permanecer mais facilmente), seja de que ordem for e de que forma ela quiser ser escrita. Uma peça em prosa, por exemplo, pode ter momentos da mais lúcida poesia. Já o teatro em versos, ao contrário, é simplesmente um teatro escrito em versos, como bem diz o nome. Pode até ser intercalado com prosa, mas o verso tem que predominar.
O “problema” é que em raros casos o teatro poético não possui poesia, ou a possui sem a mesma eficiência de um teatro poético, com a mesma força. (Se bem que, se olharmos por esse segundo prisma, não sei se são casos tão raros assim...)
Pois o teatro poético pode ser poético. Mas o teatro poético nem sempre pode ser em versos. Apenas comumente, apenas logicamente é.
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GIL VICENTE.
T
eófilo Braga diz: “Depois de reunidos os factos que constituem a historia do theatro portuguez, tornou-se por si evidente uma bem triste conclusão: que a arte dramática entre nós nada tem de nacional, porque circunstamcias invenciveis não deixaram que o povo portuguez conhecesse o theatro.” Cita a reforma dos Foraes, a Inquisição. Só não faz um estudo comparativo pra não humilhar ninguém.
E infelizmente é tudo verdade, ô moço leitor.
E ao mesmo tempo, e dessa vez felizmente, e mesmo com um paupérrimo esteio para sua realização, o teatro português não deixou de legar uma joia, rudimentar, é também verdade, mas uma joia esplendente e em nada inferior à de outras nações, à de outras línguas.
Essa joia é Gil Vicente.
Os gêneros mais usados por ele em sua obra são os autos (pastoris, de moralidade ou cavalheirescos), as farsas e as alegorias (ou fantasias alegóricas). E essa mesma obra pode ser dividida em três fases, saindo da religiosidade e do pastoril da primeira para a nacionalização dos instrumentos na segunda e a universalidade reconstitutiva da terceira. Ou, conforme aponta Massaud Moisés, pode ser dividido entre tradicional e de atualidade: a primeira categoria comporta as peças de teor pastoril e litúrgico (isto é, peças medievais), ao passo que a segunda comporta sátiras, corrosivas análises de seu tempo.
Gil Vicente é o grande clássico teatral de nossa língua. Revolucionou o teatro até materialmente, graças às técnicas de carpintaria e ao instruimento de um palco, por exemplo. E, por mais que no passado tenham acusado como chula sua linguagem, ou popularesca, ou mesmo tenham se levantado contra a suposta ausência psicológica de suas personagens, é de se notar, em especial para com esse lance de “ausência psicológica” (pois a primeira crítica é espúria por nascença), que os gêneros usados por Gil Vicente não primavam pelo individualismo da personagem, e nada mais claro se observarmos que, por mais que Gil Vicente tenha sido uma ruptura com os moldes medievais dos mistérios e das moralidades (conforme atesta António José Saraiva), ele não deixou de ser influenciado por esse mundo que dava tchau – o que dá pra perceber, por exemplo, na construção dos autos, em que as personagens, tidas como superficiais, devem ser mais corretamente lidas como engrenagens numa alegoria maior, como engrenagens que compõem um Todomundo, como instituições que conseguem abarcar uma totalidade de tipos e de estratos sociais e fazem da peça de Gil Vicente muito mais que um retrato da vida, de um costume: antes, graças à construção alegoricamente e satiricamente pautada (alegoria e sátira, via de regra, andam juntas), Gil Vicente dá-nos a entender que conseguiu inclusive o poderoso feito de trazer a Vida, em-si, sem tirar nem pôr, em sua totalidade e contradição, em sua amplidão, para o palco. E, sempre quando observamos a Vida, essa coisa transcendente mesmo a um Todomundo, à guisa de observarmos uma cidade do alto de um prédio, nada mais comum que a tragédia daquele taxista se reduza a um pontinho amarelado em meio ao cinza das calçadas.
De Gil Vicente será importante notar, citando novamente Massaud Moisés, que ele foi “antes de tudo, um poeta, e poeta dramático. (…) Como poeta, seu valor manifesta-se numa fluência e elasticidade expressivas que abarcam todos os matizes (…) sem perder sua específica fisionomia. O verso brota-lhe simples numa cadência natural e espontânea (...)”.
Essa capacidade de adaptação mesclada a uma capacidade igualmente invulgar de abarcar seu tempo, de vislumbrar o tempo que acabava e o tempo que nascia, essa capacidade gerou uma aparelhagem dramatúrgica poucas vezes antevista em nossa língua. E, por mais que sua instrumentação esteja inegavelmente distante de nosso tempo, em grande parte por uma generalizada incompetência de nossa evolução teatral, Gil Vicente ainda continua sendo um clássico, mas um clássico que, antes de exercer diretamente sua influência ou seu espectro, é um clássico de “teor fantasmagórico”, é uma égide que está acima de todos aqueles que escrevem teatro em língua portuguesa – ainda mais dos que resolvem seguir a senda do tal teatro poético.
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OS ÊMULOS DIRETOS DE GIL VICENTE.
P
ouco há que ser dito dos êmulos diretos de Gil Vicente, exceto talvez uma menção honrosa. É o que Teófilo Braga chama de “Eschola de Gil Vicente”, espaço que vai até o século XVII e que reúne nomes como o Infante Dom Luiz (!), Affonso Alvares, Antonio Ribeiro Chiado, Jeronymo Ribeiro, Luiz de Camões (!!!), Antonio Prestes, Jorge Pinto, Anrique Lopes, Manoel Machado de Azevedo, Balthazar Dias, Simão Machado, Braz de Resende, João de Escobar, Gaspar Gil Severim, Sebastião Pires, Antonio Pires Gonge. (Essa profusão de nomes não deve enganar: se só conhecemos, hoje, dois deles no máximo, não há problema algum, é até melhor que seja assim mesmo, posto que estes dois nomes são célebres por coisas que passam longe do teatro.)
Fiquemos no nosso quadrado. Para um âmbito dramatúrgico nacional, e remetendo ao começo da sessão anterior, diz-nos Barbara Heliodora que, enquanto países como os Estados Unidos tiveram em sua formação os puritanos, que “pertenciam a uma cultura extremamente rica em dramaturgia”, “No Brasil, a colonização portuguesa não trazia consigo uma grande tradição teatral e a população era pouca”.
Em texto posterior diz, complementando a informação:
É claro que de início temos de enfrentar a realidade das dificuldades da formação de uma cultura autêntica em qualquer país colonizado. E não quero referir-me unicamente ao fato do colonizador trazer consigo uma cultura já pronta, que é desembarcada e depositada - sem opção - em cima de um grupo humano que, ao contrário do colonizador, não evoluiu por si no sentido específico daquela cultura. Falo também do simples fato de qualquer tipo de cultura ser difícil, quando não impossível, sem um tempo útil para se desenvolver a expressão específica de um grupo humano dentro de suas coordenadas próprias.
Veja-se o Anchieta, por exemplo, esse velhinho simpático escrevendo os cinco mil versos do De Beata Virgine nas areias, e tudo o que sua utilização dos instrumentos vicentinos angariou sucesso para a catequização indígena – e como os instrumentos vicentinos foram uma ruptura não de todo brutal com os instrumentos medievais, e como os instrumentos medievais eram essencialmente religiosos... Bem. Tirem suas conclusões.
Fiquemos mais uma vez com as palavras de Barbara Heliodora:
A primeira experiência teatral brasileira tem, como seu objetivo precípuo, a destruição de tudo o que é local, e a introdução, no plano espiritual como no material, de valores importados.
Falar de Anchieta é falar da peça A festa de São Lourenço, peça acima de tudo abaixo de tudo pautada no alegórico (literalmente alegórico) que tanto ajuda as obras colonizatórias do Senhor: veja-se a fala “Alegrai-vos, filhos meus” do Anjo no final do segundo ato e a estrutura do quarto e quinto atos, de penitência e louvor a Deus (“Deus te envia esta mensagem / com amor”) seguidos de um tom festivo (“Aqui estamos jubilosos / tua festa celebrando”).
Em Portugal, o teatro de feições clássicas, o teatro de feições latinas teve sua porteira aberta por Sá de Miranda, isso lá no Classicismo. Dando espaço às comédias e às tragicomédias, não preciso nem dizer que foi um desastre (para uma opinião menos tendenciosa, ver Martha Francisca e Eugênio Gardinalli). Além do mais, tal abertura, daqui pra frente e por um bom tempo, terminaria por obscurecer o teatro vicentino em prol de um teatro europeizado, uma tradição teatral clássica que, se funcionou em outros países (Inglaterra, França), pouco funcionou em nosso solo. Para tal, bastará citarmos as frustradas tentativas românticas.
Seria preciso o Barroco para nos legar uma obra como a Farsa do Fidalgo Aprendiz, do já citado D. Francisco Manuel de Melo (abandonando a forma clássica, fora um dos melhores êmulos diretos de Gil Vicente), ou para nos legar um nome como o de Antonio José da Silva, o Judeu, dramaturgo dos bons e que vem muito bem a calhar pra nossa linhazinha histórica.
Só olhar, ora essa, uma peça como Guerras de Alecrim e Manjerona e perceber aqui e ali o verso, mais exatamente um verso de conotações musicais (na referida peça, as passagens versificadas são “Árias”). Afinal de contas, a obra do Judeu, diz Teófilo Braga, foi toda permeada da ópera italiana – e o mesmo chegou a deixar-nos um legado considerável destas (particularmente, gosto da ópera para marionetes Dom Quixote).
Mas, como dito, pouco há que ser dito dos êmulos diretos de Gil Vicente. Por geniais que fossem, trataram a forma como fôrma e só mesmo muita benevolência to digest them words with better apetite.
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O PARNASO OBSIDIADO.
U
ma invasão de óperas italianas, diz-nos Décio de Almeida Prado, ocorreu em solo brasileiro lá no Arcadismo.
Nada mais comum se nos lembrarmos que a ópera foi introduzida em solo português entre 1570 e 1686, tendo se desenvolvido com maior fervor no século XVIII em estabelecimentos como, por exemplo, a Companhia das Paquetas ou os bailes régios. Mas, coisa absolutamente incerta numa época de todo incerta, sabemos pouquíssimo a respeito disso, afora o fato de que o eminente poeta árcade Claudio Manoel da Costa deixou-nos uma ópera denominada O Parnaso Obsequioso, além de ter traduzido sete óperas do autor italiano Metastasio, todas infelizmente perdidas.
Outro fato a se tomar atenção é o de que, como válvula de escape para o gritante amadorismo que cercava e cerceava o teatro nacional (alguns estrangeiros comparavam-no às bacanais gregas), uma disseminação das Casas de Ópera foi empreendida ao longo do século XVIII, o que culminaria e certo modo se encerraria com a vinda da Família Real e a instauração do Teatro Pedro de Alcântara, amainando um pouco o amadorismo com boas dosagens europeias para esse povo desterrado em própria terra. Espiritualmente, tal guinada representou a mudança de um “espírito italiano” para um “espírito afrancesado” que dominaria todo o século XIX. Ou, nos dizeres de Barbara Heliodora, na fabuloso “vamos fingir que vivemos na Europa”.
O que há de notável nisso?
Ora pinhões! O que há de notável nisso é que essa invasão, que seria mais ou menos repetida no final do século que-tá-vindo, mostra uma característica clara em nossa história teatral: o teatro em versos e o teatro poético sempre se aproximaram do teatro musicado, da ópera. É uma aproximação que possui significados muitas das vezes inexplorados, possui uma coerência talvez lógica para com uma sociedade, para com espectadores que foram e não foram, tiveram e não tiveram essa característica ou essa preferência (cordial?) devidamente explorada.
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ADESÃO ROMÂNTICA.
I. Gonçalves Guimarães.
A
primeira peça brasileira, pelo poeta inaugural Gonçalves Guimarães, chamou-se Antonio José. Escrita em decassílabos brancos, a peça de cinco atos logrou grande êxito pelo fato específico de retratar a vida de um nativo (Antonio José nasceu no Rio). É uma ruptura daquelas com o teatro formalmente vicentino, o que, aliás, a aproximação com o teatro latino já atestava.
Textualmente a peça é fraca. Dramaticamente também. Uma donzela desolada, uma ama, um poeta, uma trama de intrigas para com um tema não tratado na época... Tudo o que o leitor tem em mente de clichê e blague acerca do teatro poético, em especial no que tange falas quilométricas sobre coisas microscópicas (por exemplo, a fala “Sim, dizes bem, ladrões... ladrões, sicários!”), per me si va.
Mas não sejamos injustos. Algumas partes são até bem feitinhas: a fala de Antonio José ao abrir o quinto ato, evocando Hamlet: “Morrer... morrer... Quem sabe o que é a morte?...”. Mesmo porque é difícil que uma obra absolutamente ruim venha de um artista um pouquinho acima da média como foi Gonçalves Guimarães. Mesmo porque outros românticos também se arriscaram com o teatro poético, e mesmo aqueles que possuíam uma mão menos errônea para a ribalta, como Joaquim Manuel Macedo, entornaram o caldo: veja-se, no caso deste, o drama O Cego. Novamente, os blagues, o caráter inverossímil, o excesso de dramaticidade equivocadamente usada e localizada que termina por condenar essas peças a um ato final que, justamente por ser final, é um empecilho de ordem prática para a boa realização da peça: é osso pro espectador segurar o taco e aguentar chegar até lá.
II. Gonçalves Dias.
A
grande peça do romantismo brasileiro veio de um artista inegavelmente superior: Gonçalves Dias.
E que peça!
E que peça é Leonor de Mendonça, e que peça espetacular graças à consciência invulgar com que Gonçalves Dias soube conduzir o conflito até o final, até o final em que as variações mentais de Leonor são manejadas com uma coerência e um desespero ímpares!
Não estou brincando, é biscoito-fino.
Pena que Gonçalves não soube manter o mesmo nível de qualidade, pois, nas peças restantes e anteriores, o tema é retratado de forma inferior e piegas. Um Romantismo pra-modernista-ver.
Mas Leonor de Mendonça não foi escrita em verso. Mas, em ser peça poética, a menção honrosa que faço tá valendo quando lemos o prefácio que Gonçalves escreveu à mesma, em especial pousando nos parágrafo 26 a 33, em que ele defende, em que ele se arrisca na utilização da prosa e não do verso para as passagens de alta voltagem sentimental, para as passagens de poesia, rompendo com o princípio da “divisão shakespeariana” de pôr a prosa na boca de personagens inferiores e a poesia na boca de personagens elevadas.
Ô vida difícil a desses dramaturgos!...
O romantismo trouxe muito à tona Shakespeare, aliás. Gil Vicente já havia sido posto numa esfera pré-mítica; era um autor até mesmo lido, mas um autor lido e advindo de um Portugal pré-camoniano. Um autor laureado como o Shakespeare Português, autor compatível até certos detalhes com o espírito racionalizadamente impetuoso (depois impetuosamente racionalizado) do século XIX e tudo o que o século XIX cavucou de folclórico – pois, no máximo, Gil Vicente era isso: folclórico.
Se bem que sobre essa aproximação romântica do Bardo... Olha, todos nós sabemos ou deveríamos saber que foi com o romantismo que Shakespeare se tornou Shakespeare. Mas, olhando pro movimento de modo geral, me parece que só mesmo os alemães souberam fazer algo que preste tendo um molde tão afeito a equívocos. Mais especificamente Schiller, autor este inclusive traduzido parcialmente por Gonçalves – depois comentado por Manuel Bandeira, também tradutor de Schiller.
Acho que nem mesmo os ingleses conseguiram. E mesmo as exceções, como um Victor Hugo lá na França, foram e não foram bem sucedidos, ou, se o foram, somente o foram quando se afastaram do tal Bardo – como, de resto, foi com Gonçalves aqui no Brasil e com Almeida Garret em Portugal, com uma peça gêmea em grandeza à Leonor de Mendonça mas sem prefácio: Frei Luis de Sousa.
III. Álvares de Azevedo.
O
jovem poeta Álvares de Azevedo deixou-nos uma peça, Macário, que pode ser enquadrada como poética, por mais que redunde em todos aqueles problemas já mencionados nos dramas românticos: ausência total de um senso prático. Veja-se, por exemplo, a fala “Oh! acordar como Julieta com seu Romeu pálido no seio” de Macário.
Mas se o senso prático pecava, o senso teórico-dramatúrgico de Álvares, como em Gonçalves, permanece ligado a um alto grau de lucidez. É o que lemos no prefácio a Macário. Diz-nos Décio Almeida Prado que o jovem autor pretendia “um novo classicismo, em suma, que disciplinasse toda a incandescência emocional do romantismo”. Seria algo que abandonasse um pouco as fontes francesas recentes e se comunicasse mais com as raízes espanholas e italianas do Romantismo, quando não Shakespeare.
Mas Álvares não se enamorou do teatro apenas no teatro. NA Lira dos Vinte Anos, mais especificamente na segunda parte, existem poemas que são poematicamente teatrais. Vide, por exemplo, Os Boêmios. Por mais que demonstrem o que já sabíamos por Macário, isto é, que teatralmente são quase que intragáveis, mostram uma predominância, perduram na forma textual por uma razão que não deve ser posta em segundo plano, antes, posta em relevo: é um caminho traçado para o teatro de facetas apenas textuais, ou, talvez, talvez quem sabe para o monólogo dramático... Hum!
Ainda mais se notamos que os interlocutores das personagens principais nestas “peças” são fustigantes, ajudam a personagem principal a dizer o que ela ainda não disse... Hum!!
IV. Dramas históricos.
C
astro Alves deixou-nos a peça Gonzaga. Possui uma forte veiculação lírica, mas, como já notava o percruciente crítico teatral Machado de Assis, Castro Alves ainda precisava aprender a separar a linguagem lírica da dramática (apenas notem que o solo mineiro, correlacionado às revoluções, sempre foi uma preferência de nosso teatro poético).
Outros autores também se arriscaram no drama histórico, um pequeno acidente de percurso em nossa história teatral. Ao lado de Castro Alves, românticos e não românticos, Décio de Almeida Prado faz-nos notar peças como Calabar de Agrário de Menezes ou as peças Sangue Limpo de Paulo Eiró e O Jesuíta de José de Alencar.
E O Jesuíta de José de Alencar.
Como Alencar é um nome importante em nossa história teatral, em especial pelo fato de ter sido um dos poucos a esboçar um teatro realista em nosso solo, é possível que um comentário mais demorado acerca de sua produção seja de bom grado. Seria de bom grado, pois não acho que isto venha ao caso, exceto pelo caso de que na peça referida uma aproximação do modelo clássico, latino e meio shakespearianizado, se empreendeu e tentou se fixar (como Gonçalves Guimarães, aliás, já havia traçado).
Só tentou mesmo. As elucubrações pós-românticas na ribalta teatral vão afastar, graças a Deus vão afastar Shakespeare um pouco de nossas pretensões.
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QORPO-SANTO.
Q
orpo-Santo possui uma obra insólita. A mais original do teatro de língua portuguesa. Mas, como atesta Márcio Ricardo Coelho Muniz, uma obra que aporta nas nascentes translúcidas de Gil Vicente.
Muita coisa no excelente ensaio de Muniz é digna de nota. O que ele chama de estrutura processional chamarei mais tarde de equidistância heliocêntrica. Fiquemos com sua explicação:
O teatro de Gil Vicente é fortemente marcado por uma estrutura que denomino processional. Das aproximadamente cinco dezenas de peças vicentinas, quase a metade delas é marcada pela sintaxe teatral da procissão, ou seja, a encenação organiza-se em torno de uma ou duas personagens, num cenário de modo geral fixo, e para os quais convergem todas as outras personagens, em procissão, criando pequenas cenas ou sketches, independentes uma das outras (5). Pense-se, por exemplo, nos autos das Barcas, nos quais as alegorias do Anjo e do Diabo estão sempre em cena, dentro de um cenário fixo, a praia ou a ribeira, recepcionando as almas que deverão embarcar, ou na barca do céu ou na barca do inferno. A frouxa unidade das peças é garantida por aquelas personagens e por este cenário fixo. Não fossem eles, a desordem instalar-se-ia.
(5): Em trabalho recentemente publicado, demonstrei que a estrutura processional é recurso cênico utilizado em pelo menos duas dezenas de autos, em graus distintos e alcançando todo o longo período produtivo de Gil Vicente (Cf. MUNIZ 2003).
(O ensaio aludido [MUNIZ, 2003] é o A estrutura processional e o teatro de Gil Vicente, incluso na Revista Camoniana, São Paulo, v. 13, 2003, p. 65-76. Infelizmente, o que me causa uma tristeza do jeca, não pude ter acesso ao mesmo.)
Muniz contrapõe a estrutura processional de Gil Vicente ao caráter desconexo, à desordem estrutural da sucessão de elementos nas peças de Qorpo-Santo: neste, é comum que uma cena não se conecte com outra, por exemplo. Talvez seja quiçá até mesmo também possível, com todos os pleonamos apinhados, que uma técnica eisenteniana tenha sido antevista por Qorpo-Santo neste processo de justaposição ou de colagens.
Qorpo-Santo é rico demais, gente. Vão brincando...
Rola no ensaio também uma proseada sobre o uso das cantigas para embalar o ritmo das peças, para efetuar uma aproximação inegável com a poesia. Claro que em Gil Vicente, num teatro todo versificado, o clima é generalizado, ao passo que, em Qorpo-Santo, num teatro prosaico com cantigas incrustadas, o clima é localizadamente posto.
Mas ao mesmo tempo, os metros usados por Qorpo-Santo são próximos, emitem um sabor uma só vez original e genuinamente vicentino: “Não te fies, meu Lindinho, / Dos que fazem carinho, / Crê que te devoram / Os lobos; e não coram!”, num caso citado por Muniz, entre um Lindo e uma Linda. Ou, no âmbito do diálogo: “Deixai-me ser namorado, / porque o sou muito em extremo! // Mas que vos tome inda o demo, / se vos já não tem tomado!”, num diálogo entre um Velho e uma Velha. Neste último, como creio estar bastante claro, apreciamos o sabor aludido não só nas cantigas: também nas falas e na utilização irônica ou satírica que as peças emitem, que elas irradiam graças à composição, por exemplo, de palavreados baixos ou oposições cômicas.
Tais características apontadas por Muniz e que merecem sem dúvidas um estudo maior, como o próprio autor atesta, apenas ressaltam uma incrível correspondência entre o gênio de Gil Vicente e o excepcional de Qorpo-Santo. Além do aparecimento da égide de forma tão clara num autor mergulhado e naufragado na percepção da época seja algo absurdamente incrível, é de se notar que, só de usar o termo “absurdamente”, já percebemos que Qorpo-Santo, conforme apontado por outros estudos, é um prenúncio forte do Teatro do Absurdo e do Teatro Surrealista. E isso, numa história tão erma como a nossa, quem dirá a desertificação do século XIX, é no mínimo incrível (num nível que, creio, só Martins Pena, no mesmo período de tempo, ousou esboçar).
Qorpo-Santo é rico demais, gente. Vão brincando...
E a partir disto, e tendo tudo isso em mente, veremos que a recorrência da égide se dá quase que em predominância para com situações que promovem uma fratura da realidade, muito além do extraordinário aludido em ensaios anteriores: antes, mergulhando nesse mesmo extraordinário, construindo um esteio alegórico e aproveitando todas as possibilidades que o extraordinário aponta, em especial a da construção de uma estrutura processional, visto que, a partir desta, um mínimo de ordem é instaurado no caos.
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MACHADO DE ASSIS E O TEATRO DE GABINETE.
C
omentei alhures sobre o teatro machadiano. Em linhas gerais, nota-se que sua produção teatral evoluiu com o tempo: a peça Não Consultes Médico, por exemplo, estava quase lá. Para meu fim específico, de detectar teatro em versos e/ou teatro poético, as peças que chegam à tona são Deuses de Casaca e Tu, só tu, puro amor. A primeira terminou de instaurar o verso alexandrino francês na língua, conforme sistematizado por Castilho, e a segunda é mais um episódio sobre a vida de Camões: mas em prosa.
Não vou comentar de novo pois as duas são horrorosas. Essa vida não compensa não.
Só faço notar que, conforme expus alhures, e de acordo com algumas notações presentes inclusive nas peças e em epístolas (como a de Bocaiúva), são peças para serem lidas e não para serem representadas, mas esse “para serem lidas” aos poucos foi evoluindo até alcançar o patamar de serem lidas em ocasiões solenes, de serem lidas em gabinetes ou em reuniões, conforme inclusive ocorreu com Deuses de casaca, “aquilo que foi habilmente representado no sarau da Arcádia Fluminense”.
Logo, peças para serem lidas em leituras dramáticas.
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TEATRO SIMBOLISTA PORTUGUÊS.
O
teatro simbolista português, diz-nos Massaud Moisés, “cultivou um teatro poético, que procurava levar para o palco as doutrinas estéticas então dominantes.” E aí nomes como os de João Brandão, Raul Brandão, D. João Câmara e Marcelino Mesquita vêm à tona, donde se observa o apreço simbolista por entrechos que propiciassem o surgimento do romântico ou pelos entrechos antigos.
O que não é novidade, né? Simbolismo e Romantismo: cara dum, . . . . doutro.
No entanto, aquele que melhor se conservou foi Júlio Dantas, em especial pela peça A Ceia dos Cardeais, de influência francesa claramente vista na forma (alexandrinos emparelhados). Todavia, pondo de lado o relativo sucesso e a relativa qualidade dela, mesmo issaí não apresenta nenhuma contribuição relevante à evolução do teatro poético na língua.
Nem mesmo no panorama de qualquer língua e muito menos no panorama simbolista, se notamos que lá fora nomes como Strindberg são vinculados à estética. Afinal, tanto Dantas quanto os aludidos simbolistas usavam-se da estrutura, empunhavam a pena de fabricação simbolista para fins praticamente românticos, sem todo o poderoso complexo de símbolos que um Strindberg, um Ibsen ou um Maeterlinck lá fora esgrimiram. Sem plantar a bandeira preta, como diz Paulo Leminski, na mais-valia das palavras, naquilo que não dá pra expressar.
Em suma, os simbolistas portugueses que deram na telha escrever teatro poético, estes eram simbolistas de araque.
Os daqui foram bem melhores: inexistiram. Nomes como João do Rio se deram bem, massacrados na anonimicidade, ao irem para onde a catástrofe seria menor (i.e.: prosa).
Certo modo, as vinculações fatidicamente simbolistas só vão ser sentidas em nossa língua com o modernismo e, por exemplo, Fernando Pessoa e o drama estático.
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AS OPERETAS, ARTUR DE AZEVEDO.
N
o final do século XIX houve uma invasão maciça de operetas em solo nacional. O gênero bufão e espirituoso instaurado por Offenbach encontrou, graças às adaptações pioneiras do Ator Vasquez, um aproveitamento absoluto. Sua estrutura musicada apenas ressalta o que disse anteriormente, de que o solo brasileiro sempre foi afeito ao Teatro Musicado; no caso das operetas, graças à transposição já galhofeira de temas nobres em uma linguagem mirabolante ao extremo, essa junção encontrou um sucesso que solapou inclusive nosso teatro realista e simbolista.
Dos autores que traduziram e escreveram operetas, e outros gêneros que na época foram tomando conta também (as mágicas, as revistas), faço notar aquele nome que, conjuntamente com Martins Pena, é um definitivo no século XIX: Artur de Azevedo. Suas habilidades versificatórias invulgares permitiram-lhe transpor operetas com grande ciência, sempre mantendo o humor e o virtuosismo. E sua própria produção teatral foi influenciada pelas mesmas: a peça A Capital Federal é classificada como “Comédia Opereta”.
Isso vem e não vem ao caso. Vem pois a opereta é Teatro Musical. Vem também pois a tradução de Azevedo da peça L'école des maris de Molière foi feita usando a forma vicentina: redondilhas ABBA. E esta menção, pequena, mostra que o fantasma de Gil Vicente, apesar de bem distante da realidade posta em questão, continuava a rondar as manifestações do teatro em versos e teatro poético de língua portuguesa, malgradas e postas em conservas as tentativas frustradas dos românticos (e as operetas inclusive ajudaram a afastar alguns espectros que os românticos vãmente tentaram impor, como o do verso branco).
O caminho dos espetáculos pautados na alegoria, na reunião não raro confusa ou no mínimo colorida e impactante de personagens, no uso da musicalidade, no uso da sátira. É isso que podemos presumir das operetas sob a égide de Gil Vicente. O que também não é novidade nenhuma.
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RESCISÃO MODERNISTA.
O
s modernos se afastaram das operetas, da graciosidade excessiva, do teatro em versos, do teatro poético. Se bem que eles não foram os primeiros. Autores como Joaquim Manuel Macedo, França Jr. e o citado Artur de Azevedo, no meio das operetas que se sucediam e se apagavam com as burletas e as vaudevilles, já davam sua contribuição para a evolução do gênero da Comédia, sempre afeito a nosso solo. Além, é claro, de que na Europa a modernidade teatral já havia se dado há muito com Ibsen.
De todo modo, esse afastamento modernista era até mesmo natural, visto que havia uma defasagem. Se bem que quando falamos de teatro em língua portuguesa, sempre houve.
O Rei da Vela de Oswald de Andrade possui um clima carnavalesco que talvez permita vislumbrar Gil Vicente aqui ou acolá. Talvez, talvez. Talvez uma impressão míope. Oswald tem outras aproximações com o teatro; O Santeiro do Mangue, quem sabe... Talvez uma impressão míope. Quem sabe algum dia não se estude com mais tardar Oswald de Andrade e Gil Vicente?
Por mais que autores estilhaçados tenham deixado esboços de esboços de peças em verso (como Guilherme de Almeida naquela tal de Scheherazada), o clima do modernismo, de dissolução dos instrumentos poéticos clássicos, sequer havia cogitado o do teatro poético, pois esse já estava “sepultado” há muito.
Do panorama modernista, alguns degraus abaixo de Oswald, cumpre notar mesmo só os esforços de Drummond e Bandeira, se é que houveram esforços. O Caso do Vestido, Canção da moça-fantasma de Belo Horizonte e Namorados são poemas que, graças à construção de um diálogo elevado à sua potência mais translúcida, funcionam germinalmente como objetos dramatúrgicos. Irretocavelmente dramatúrgicos.
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ANTINOMIA ELIOT-FRY.
L
á fora, T. S. Eliot e Christopher Fry são dois nomes absolutamente louváveis na evolução do teatro poético moderno. Ao que me consta, John Arden e Margarette D'Arcy também possuem um papel importante, mas infelizmente nada pude ler até então.
Outros artistas modernos, além destes, também usaram do verso pataqui patacolá. Principalmente em língua inglesa, como W. B. Yeats, e. e. cummings, W. H. Auden, Thomas MacDonagh, Wallace Stevens, Richard Eberhart, Archibald Mac Leish, Charles Williams, Edna Vincent Millay. Em Modern Verse Drama in English (Greenwood, 1993, 184 p.), Kayla Wiggins conta 500 entre 1935 e 1992 (mas não pude ter acesso à obra).
Com maior e menor êxito, com e sem bizarrices, foram tão chochos que não merecem nem mesmo um balde de água suja. Talvez apenas o exercício de manejo do verso nas adaptações modernas de Ezra Pound para as peças sofoclianas Women of Trachis e Elektra seja digno de nota, como de fato creio que é – e como Denis Donoughe igualmente atesta ao mesmo tempo que atesta que, por mais que sejam um manejo lúcido, realmente ótimo, é um manejo que não possui muitas correspondências práticas, diz e não diz muita coisa da situação do teatro poético moderno. (Quer dizer; na verdade, o nome Pound possui mais importância do que apontado por Donougue, uma vez que Pound conheceu as vias do teatro graças ao dramatic monologue de suas personas e às traduções de teatro oriental. Todavia, a aproximação de Pound foi mediada com um pé mais fincado na poesia que de fato no teatro, e daí minha concordância com Donoughe.)
Caso contrário são nomes de primeira grandeza como Garcia Lorca e Brecht. Estes usaram muito o verso numa situação de fratura da realidade, de conotações oníricas ou absurdas. Brecht mais especificamente, com todo o seu ideal de teatro épico e o distanciamento subsequente causado na compreensão e apreensão semântica do espectador (o teatro épico é um fator de exclusão dramatúrgica – e inclusão social). Em Lorca isso se dá menos, e no entanto, a fratura que não raro costuma ocorrer, em maior ou menor grau e em toda peça poética, possui raízes majoritariamente dramáticas, raízes que parecem querer restaurar a normalidade das coisas a partir da anormalidade da poesia. E tanto o é que os trechos mais impactantes de Lorca não são bem os veiculados em verso, mas aqueles em prosa, como os de Yerma e os de Bodas de sangre.
Mas retornando à antinomia esboçada, pois Brecht e Lorca mereceriam ensaios à parte...
T. S. Eliot, graças à sua capacidade de reflexão e capacidade poética célebres, em verdade e mais que merecidamente célebres, deixou toda uma produção dramatúrgica em verso que trata muito, diz-nos Barbara Heliodora, do tema da redenção do homem.
Possui mais ou menos três fases.
A primeira contém a peça Murder in the Cathedral, peça de todo originalíssima, peça com uma construção grandemente notável mas que parece pegar no tranco só em situações cênicas excepcionais ou em estado de poesia, em estado de texto. O fragmento Sweeney Agonistes e o coral The Rock fazem parte desta fase também.
A segunda fase corresponde às peças The Family Reunion e The Cocktail Party, onde o entrecho contemporâneo bate na porta e onde Eliot não abre e abre mão dos recursos dramatúrgicos clássicos (coro, por exemplo) com fins a alcançar o prosaico e instilar-lhe poesia. The Cocktail Party é sua obra-prima, não restam dúvidas, seja pela qualidade do texto, seja pela qualidade do drama.
A terceira fase, com peças que mostram uma construção dramatúrgica notável, que seria a de The Confidential Clerk e The Elder Statesman, possuem um texto mais pobre, mas um drama melhor (por exemplo, o verso manejado), como se Eliot entornasse o caldo, perdesse o equilíbrio vislumbrando em The Cocktail Party.
Assim, resumindo, Eliot sai do literário++ da primeira fase para a harmonia da segunda e o literário+- da terceira.
Já Christopher Fry é mais simples. Não se arriscou. Não defendeu o teatro poético, não deu a cara a tapa. Tudo bem que fez ótimas traduções de Ibsen e Rostand, mas “só”. Suas peças possuem entrechos antigos, uma construção não raro shakespeariana que talvez explique o êxito maior.
No entanto, apesar de possuírem uma estrutura dramatúrgica conduzida com maior sobriedade, em que a inclusão de poesia vai se tornando mais e mais inequívoca (como em The dark is light enough), é de se notar que o papel de Eliot, por mais que veiculado numa estrutura mais fraca, é de maior importância, de impacto mais profundo no âmbito teatral. E isso ainda mais no âmbito do teatro de língua inglesa, que possuiu em seu passado um nome atuante e ainda hoje representável e representado como é o caso de Shakespeare. Foi com base em Eliot que os supracitados poetas de língua inglesa, por exemplo, se arriscaram no teatro poético.
E é daí minha firme convicção que, por mais que um dramaturgo contemporâneo mostre ciência em escrever uma peça de teatro poético com um entrecho antigo, à guisa de Fry, ele só vai poder mostrar para si mesmo e para seu tempo que domina o instrumento fatídico do teatro poético, e que outros poderão dominá-lo, quando escrever uma peça de entrecho contemporâneo, pois assim estará mostrando a seu tempo que um enredo, uma situação, um conflito, um teatro, uma vida contemporânea pode subsistir e ser guiada a partir da poesia.
Ou, noutros termos, numa estrutura teatral que não se valha ou das fraturas da realidade, ou do distanciamento, do espaço em branco espectador-espetáculo.
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CECÍLIA MEIRELES E O MONÓLOGO DRAMÁTICO.
N
a obra Mar Absoluto, Cecília Meireles empreende uma aproximação nunca antes nem depois feita para com o gênero do monólogo dramático em nossa língua. Talvez o mais próximo que se chegou, afora Cecília, tenha sido a construção monologante de muitos poemas no Eu de Augusto dos Anjos, como o Monólogo de uma Sombra, onde a simples intuição do Outro já é perturbação quase que definitiva no plano poemático – ou seja, é um rompimento com a estrutura misantrópica que o poema apresenta, de tal modo que, às vezes, o simples fato do poema se aperceber do leitor já é o suficiente para que o próprio poema tome novos rumos, tão implícita e poderosa é sua intuição monologante.
No entanto, do ponto de vista que aqui traço, as experiências de Augusto têm pouco a nos oferecer.
Voltando a Cecília: na verdade, essa aproximação com o monólogo dramático já havia sido traçada no livro anterior, Vaga Música, mas é mesmo só em Mar Absoluto que ela solidifica um passo a mais esse passo a mais. E mesmo que os exemplos numa e noutra não possuam uma funcionalidade efetiva, visto que se imiscuem de uma aura excessivamente sentimental ou esfumaçadamente sentimental, e não um esteio histórico (isto é, contar uma história antes que dizer um sentimento), é digno de nota seu esforço neste campo (mesmo porque, sendo ou não sendo a rigor monólogos dramáticos, continuam sendo excelentes poemas).
A obra possui um ordenamento que empreende uma reflexão lírica sobre o tempo. O Mar Absoluto é o mar que espelha o céu, é o mar aludido por Fernando Pessoa em Mar Português: um mar que já não guarda as armas e os barões assinalados, os riscos, as epopeias; é um mar que guarda reminiscência, escombros, fantasmas. É um Cemitério Marinho à Valéry (“Temple du Temps, qu'un soupir résume”), o que é melhor visto na série de epigramas Motivos da Rosa. Como a poeta diz no poema Memória, de Vaga Música, “Minha família anda longe. / Mas eu sei reconhecê-la: / um cílio dentro do oceano, / (…) / Mas tudo vai sem nenhuma / noção de destino humano, / de humana recordação.” Ou, como diz no começo de Mar Absoluto, do livro homônimo: “Foi desde sempre o mar. / E multidões passadas me empurravam / como o barco esquecido.”
Desse modo, o livro todo embarca numa arqueologia sentimental, traz à tona e dá vozes a fatos, pessoas todas naufragadas em tais águas (i)memoriais.
Processo, certo modo clássico na poesia de Cecília, que já podia ser vislumbrado nos livros anteriores: em Gargalhada, de Viagem, por exemplo, o eu lírico ensina um homem a gargalhar. É o que pode ser vislumbrado também em Mar Absoluto, e o maior exemplo é o comovente poema Elegia, em que Cecília, referindo-se à sua avó falecida: “Meu presente é buscar-te. / Não para vires comigo: / para te encontrares com os que, antes de mim, / vieste buscar, outrora.”
Como a poeta diz no poema Diálogo, de Viagem: “Minhas palavras são a metade de um diálogo obscuro / continuando através de séculos impossíveis.” Ao mergulhar na sua subjetividade de poderosa riqueza, é como se Cecília esbarrasse com outras pessoas, com outras personagens nesse seu Mar Absoluto interior, mas, ao invés de escutar a história de quem encontra e registrá-la da forma como ela foi contada, Cecília absorve seus interlocutores graças à sua pujante veia lírica: para terminar de citar o poema Diálogo, pois creio que ele diz muito,
Agora compreendo o sentido e a ressonância
que também trazes de tão longe em tua voz.
Nossas perguntas e respostas se reconhecem
como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.
Conversamos dos dois extremos da noite,
como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...
E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu.
Mas um mar sem viagens.
E assim, ao invés de resgatar a história destas vidas, resgata o sentimento, o que fere a organicidade de seus monólogos enquanto monólogos dramáticos. Veja-se o caso do poema Solilóquio do Novo Otelo (incluso no livro anterior, Vaga Música) e Da Bela Adormecida (já de Mar Absoluto), em que apenas os sentimentos, envoltos numa auréola pós-simbolista, se veiculam.
A mesma crítica pode ser estendida para poemas de Mar Absoluto como Contemplação, Compromisso, Lamento da Mãe Órfã, Os Homens Gloriosos etc – com exceção para poemas como Lamento da noiva do soldado, Simbad, o Poeta e Lamento do Oficial por seu cavalo morto, especificamente este último, em que o vislumbre de uma história e de um cenário é composto com uma habilidade eu diria até mesmo impressionante. Mas, mesmo que o Lamento do Oficial possua estruturalmente um monólogo dramático bem armado, nota-se que, pondo o poema e sua temática de um cavalo morto ao lado de outras construções mais tipicamente cecilianas, nem mesmo ele consegue manter a qualidade de um poema como O Cavalo Morto de Retrato Natural.
Além do mais, o “fracasso” que os monólogos dramáticos cecilianos apresentam não quer dizer que a poeta tenha, no restante de sua obra, abrido mão do gênero. Não de todo. O Aeronauta, por exemplo, já possui uma estrutura mais próxima do gênero.
Mas como disse, não de todo. Não de todo pois não implicou que Cecilia tenha continuado a insistir no gênero. Ao lado de O Aeronauta (1951), Amor em Leonoreta (1952) “apontava” outros caminhos (entre aspas pois Cecília sempre apontou): o caminho do poema narrativo, do poema ao lado duma tradição muito mais afeita à língua (bem ao contrário do monólogo).
Em todos os níveis, é isto o que nos é apresentado ao longo do Romanceiro da Inconfidência, sua magnum opus, onde bem poderia a obra se passar como coletânea de monólogos dramáticos, não fosse o fato de Cecília perdurar e aprofundar aquilo que consistia o “erro” de seus monólogos anteriores, isto é, de dizer apenas o sentimento e não uma história. Mas, ao mesmo tempo, e com incrível lucidez, mitiga essa possível falha ao tratar de um tema historicamente reconhecido e esboçando, com toda a espetacular habilidade que tinha, cenários e panos de fundo históricos – tipo o do poema de abertura à obra ou daqueles entremeados em composições de teor híbrido, tal qual o Romance XL, onde a descrição dos sentimentos em primeira pessoa se imiscui de uma descrição em terceira pessoa do entrecho, do espaço.
Em suma, criando uma voz narrativa para auxiliar as personagens, justamente um caminho que bifurca o que no monólogo dramático é unidade (narrador+personagem). E mesmo na obra Mar Absoluto esse caminho já estava traçado, seja pela tendência pessoal da poeta, seja em poemas como Balada do Soldado Batista, Edite ou Enterro de Isolina.
Nota-se alfim que, se Cecília se aproximou do monólogo dramático no começo de sua obra, no decorrer desta ela foi ressignificando seus monólogos até o ponto em que estes passaram a fazer parte de uma estrutura maior e narrativa, de um enorme poema narrativo ou de uma miscelânea de poemas narrativos onde, a partir da dissolução da fala ficcionalizada de uma personagem e a descrição externa das coisas, a simbiose deu certo (como, de resto, ocorre com o gênero dos Romanceiros, bastando citar o exemplo de Garrett). Assim, ao invés de persistir no monólogo dramático, em que a fala ficcionalizada de uma personagem está imiscuída, está fundida com a descrição externa das coisas, pois um é o outro (é contar uma história vivida), Cecília achou por bem a divisão à medida que evoluía enquanto poeta e alcançava ares inegavelmente superiores, mesmo que abrindo mão das possibilidades monologais anteriormente vislumbradas.
Em outras palavras, Cecília sempre guiou sua poesia a partir de sua subjetividade lírica de riqueza inenarrável; porém, quando trabalhou o monólogo dramático, possuiu franca dificuldade em ouvir o que as personagens diziam, em calar sua voz que preponderava em relação àquelas. Assim, foi quando desenvolveu, foi quando ligou à voltagem máxima sua capacidade lírica até o ponto de ressignificá-la numa voz narratorial que Cecília conseguiu encontrar a máxima coerência com sua obra, seja no sentido de abarcar o outro, seja no sentido de manter sua “alma intacta”, o que se deu nos poemas narrativos do Romanceiro da Inconfidência.
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FERNANDO PESSOA.
F
ernando Pessoa é um caso esdrúxulo, um caso que requereria uma entrada total em sua obra. Mas como aqui fora tá até quentinho, vamos passar o raio-X e notar que a aproximação de Pessoa com o teatro em versos e o teatro poético se fez em dois pontos: nos poemas dramáticos e no caso da heteronímia.
No primeiro temos, a rigor e afora sua qualidade contestável, um encadeamento de monólogos, visto que Pessoa parecia prezar mais pela revelação de almas que efetivamente pela ação. Seu drama estático é o melhor exemplo, e talvez seja o que contribua de forma mais cabal para a natureza de suas peças: o de serem lidas e não, necessariamente, o de aspirarem ao palco.
Esse formato de encadeamento de monólogos também explica a característica suspensa, o vago e esfumaçado que se dá ao longo das peças, em especial O marinheiro: os espaços em branco decorrem da não comunicação que as personagem fazem entre si, visto que é uma cadeia de monólogos; assim, é natural que mesmo elas se assustem com algumas de suas falas, as quais, em tese, deveriam se dirigir a outras que, pelo fato de estarem, teoricamente, em estado de monólogo, não parecem existir.
E tais espaços em branco também “ferem” a possível organicidade do texto pessoano enquanto texto para representação, visto que permitem um livre movimento de perspectiva, pois nesses espaços em branco não existe nada: são espaços a serem preenchidos pelo leitor. E desse modo, como o leitor possui, diante do texto pessoano, a liberdade de mudar de perspectiva, vê-se claramente o porquê dele ser um texto cuja natureza é a leitura: se fosse um texto para o espetáculo, a perspectiva seria apenas uma; e se fosse para o cinema, a perspectiva seria a do diretor.
No caso da heteronímia temos um passo além e ao mesmo tempo um passo distinto da concepção dos monólogos dramáticos. É como se Pessoa tivesse galgado um degrau acima e, logo após, tivesse passado para uma outra escada. Um grau acima pois, além de criar personagens e criar histórias de vida, ele as entrelaçou não apenas entre si, mas com um mundo externo, criou influências, criou vidas que se comunicam e mantém um diálogo mais profundo. É como se a voz de seus heterônimos, interiormente personagens monologantes, fosse tão alta, ou tão intensa, que mesmo nas salas vizinhas elas fossem ouvidas, ultrapassando paredes. Algo parecido com o Robert Browning de Men and Women ou de Dramatis Personae: criar monólogos que não sejam apenas esparsas expressões, mas, antes, um verdadeiro espetáculo, um conjunto de um complexo maior chamado vida, universo... A little larger than the entire universe.
Ao mesmo tempo que eleva a um nível de excelência o monólogo, Pessoa se diferencia dele pois suas personagens não exatamente contam uma história, mas contam seus sentimentos a partir de poemas. São, assim sendo (e é claro que são), poetas, são fingidores que trabalham sua emoção e não se preocupam em contá-la, à guisa do que ocorreria com uma pequena indústria autossuficiente que produzisse e refinasse a emoção, ao contrário das indústrias comuns que produzem e depois repassam para indústrias maiores refinarem-na.
Pessoa trabalhou o antes, a pré-história do processo de construção de um monólogo dramático, incrementando a formação não dita, a formação inexplícita de suas personagens, isto é: todos os heterônimos são artistas em maior e menor grau, visto que Pessoa aprimorou esta característica de todos, de modo que eles estão numa esfera distinta e ao mesmo tempo tangente da do monólogo dramático. Entenda-se: Pessoa elevou seu monólogo dramático a um nível de excelência distinto, a um nível de excelência onde, pelo fato das personagens serem tão genuinamente poetas, sua produção deve ser tratada como a produção de um poeta e não mais de uma voz, de uma vida ficcionalizada conforme ocorre com o monólogo dramático.
Autonomia é a senha de guerra.
Seria como se um autor como Browning tivesse trabalhado o antes, por exemplo, do narrador de Sordello, transformando-o em poeta, plenamente poeta, até o nível em que ele se desgarrasse por completo seja de Browning ou seja dessa concepção abstrata que rotulamos como “Browning”. Pessoa deu a independência às suas personagens, fazendo com que elas saltassem da ribalta imaginária que o autor de monólogos dramáticos “encarcera” suas criações. E isso não num processo pirandelliano de deixá-las na condição de personagens sem autor, mas simplesmente de atores que terminaram o espetáculo e voltam pra casa.
Assim, no meio termo que existe entre o palco imaginário e o “nada”, que seria a imaginação simplesmente (um meio termo que Browning alcançou em The Ring and The Book), Pessoa soube criar todo um esteio para que o heterônimo pudesse sair do palco imaginário que o monólogo dramático demanda e mesmo assim não restar como mera ficcionalização, mas como algo genuíno, como algo fingidor, como um fator de ficcionalização ele mesmo: em suma, num heterônimo.
Além do mais, muitos heterônimos não escrevem apenas poesia, mas se embrenham em outros campos da atividade literária, de modo que se tornaram plenamente fingidores. Podem escrever tanto odes whitmanianas como odes horacianas, diários sentimentais ou correspondências esotéricas.
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MÁRIO DE ANDRADE.
M
ário de Andrade é um dos nomes da exceção em solo nacional. Sua ópera Café é de uma construção impecável graças às habilidades literárias e musicais que Mário ostentava em grande monta. Anteriormente, na Pauliceia Desvairada, Mário havia tentado algo parecido no poema As Enfibraturas do Ipiranga, mas foi só em Café que conseguiu chutar o pau da barraca.
O que nós temos que notar é a construção alegórica da peça, formando um quadro geral pautado no encadeamento, isto é, situações análogas que se repetem ou que possuem um contorno análogo. A decorrência mais clara disso é a construção de uma base acompanhada de fatores dinâmicos, fatores, ou seja, que mudam mas que são todos análogos pelo menos a partir de um aspecto: justamente o de estarem ao redor da mesma base.
Essa construção orbital tem que ser percebida, não tem jeito.
É ela que permite que a construção do Teatro Musical se aproxime da construção do teatro poético. É ela que permite que as canções separadas sejam inclusas numa estrutura maior de forma bacana e coerente.
No teatro poético pura e simplesmente, as partículas continuariam se movimentando ao redor de um único sol, ainda que nem sempre seguindo o mesmo trajeto, de modo que, como disse em ensaio anterior, esse sol seria uma personagem ou uma situação elevada; na construção típica do Teatro Musical, a trajetória, o trajeto das partículas é o mesmo, elas seguem o mesmo caminho à guisa do modelo heliocêntrico, bem à guisa do que ocorre nos Autos vicentinos, onde as personagens lembram cometas, planetas, estrelas passando na frente de um mesmo espectador, de uma mesma base, base esta não necessariamente fixa, mesmo porque nem mesmo no modelo heliocêntrico ela é (o sol se move e os planetas vão junto).
Em suma, a diferença, o algo a mais do Teatro Musical é que as partículas orbitais seguem um mesmo percurso, estão equidistantes do centro. Naturalmente, nem todo teatro Musical segue essa “equidistância heliocêntrica”; no entanto, o fato de ser musicado, ou seja, de ter como peças fundamentais e essenciais de sua estrutura as partes musicadas, este simples fato impele o espetáculo a tal construção, como que um efeito que, de tão generalizado, de tão comum, torna-se em regra ou em caminho para o sucesso da obra.
Ou, para darmos uma outra explicação além do todo-mundo-fez, na estrutura do gênero é comum que uma variedade de vozes seja usada com fins musicais, de modo que qualquer rebarbinha, qualquer personagem pode ajudar nem que seja na hora de compôr a última fileira do coro. Assim, como a fonte semântica maior do Teatro Musicado é o da música, ele precisa de uma forma de construção que permita sugar capacidades sonoras de todas as personagens, o que, à priori, faria com que todas tivessem a mesma importância, fossem todas planificadas, engrenagens iguais – e até aqui a égide de Gil Vicente dá OK.
Daqui pra frente poderemos problematizar isso e mostrar que, na prática, complexidade psicológica e Teatro Musicado não são caminhos distintos. Apenas que o quesito da alegorização implele, como acabei de dizer, ao efeito da equidistância heliocêntrica e que esse contribui pacas o Teatro Musicado.
É uma relação que podemos pagar pra ver. Tiro e queda.
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VINICIUS DE MORAES.
V
inicius deixou-nos a peça Orfeu da Conceição, muito provavelmente uma das melhores, diria a melhor peça em versos brasileira (mas se e somente se retirarmos João Cabral de cena).
O jeito que a bicha usa a música e usa o verso é pra lá de bom.
Vinicius soube, como todo dramaturgo em versos deve saber, montar uma arapuca e abandoná-la nos momentos certos, soube incutir, saindo da fala quebrada de enjambements, a fala cotidiana ou a mais próxima desse mesmo cotidiano, recriando, em suma, o mito de Orfeu e mantendo sua auréola mítica, quem dirá mística, num plano dia-a-dia, pá-pum.
Igualmente notável é a maciça utilização alegórica das personagens, dos planos e até mesmo das situações. Ela cria um surgimento mais propício da poesia, permite o encadeamento entre as personagens e eu digo que até mesmo as força a buscar entre si uma concordância mais poderosa que a de serem apenas conhecidas ou familiares: devem ser peças de uma mesma alegoria.
E por mais que o entrecho de Orfeu da Conceição não seja lá muito bom (mesmo que a peça seja a melhor em solo nacional, isso não quer dizer que ela seja ótima para padrões internacionais), o clima alegórico e a própria inclusão bem estruturada da poesia e das canções salvam-lhe do fracasso.
Mesmo porque Vinicius possui em sua obra dramatúrgica outras peças que lembram a construção geral de Orfeu da Conceição (como Cordélia e o Peregrino) e outras que possuem um entrecho mais forte, outras que são guiadas pelas mãos de um dramaturgo mais consciente de seus instrumentos. E para esta última classificação, a peça em prosa As feras é o grande exemplo.
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CHICO BUARQUE.
C
hico Buarque é um mestre consolidado no Teatro Musicado. Roda Viva, Gota d'Água e a Ópera do Malandro são obras-primas. Soube criar enredos de grande dramaticidade e entretecê-los tendo como fundamento as canções, sempre de grande qualidade e impecável técnica.
O que disse sobre Mário de Andrade e a “equidistância heliocêntrica” do Teatro Musical aqui tá firme e forte, onde poderia citar a peça Calabar, por exemplo, toda ela girando na personagem homônima ou na traição da mesma e suas consequências pro Brasil Holandês, mas citá-las peça e personagem tendo em mente que Calabar sequer aparece no texto!
E o que disse acerca de Vinicius, em especial sobre o uso do verso, aqui talvez tenha de ser “desconsiderado”, visto que o padrão alegórico das peças de Chico Buarque é consideravelmente menor que o das peças de Vinicius. Tanto o é que Chico usa-se da prosa, o que não invalida ou mesmo enfraquece a força dos momentos poéticos em seus textos.
Antes, creio que inclusive ajuda a deixar mais nítida a equidistância heliocêntrica aludida, pois as personagens são um tanto que planificadas, mas planificadas no sentido de que todas passam a fazer parte de um mesmo terreno, de um mesmo chão, de um mesmo cenário – e aqui temos um ponto de partida para um interessantíssimo aspecto de toda e qualquer peça que segue a equidistância heliocêntrica e a alegorização como base.
Creio que é simples: a equidistância heliocêntrica faz com que todas as personagens estejam a uma mesma distância do centro da peça, da base semântica, o que não quer dizer necessariamente que todas as personagens tenham igual importância, por mais que a equidistância heliocêntrica faça com que a peça tenda para esta construção – e, nos exemplos mais acabados que seguem o riscado, como seria o caso dos autos, a coisa é tecnicamente assim.
No entanto, como disse, o efeito de alegorização de uma peça é sempre um efeito que extrapola uma esfera constituinte do teatro e alcança as outras. Por exemplo, é dificílimo que uma peça seja alegórica apenas nas personagens, posto que ela tende a ser alegórica no todo, contemplando, para continuar no mesmo exemplo, o tempo ou o espaço. Assim, mais especificamente no campo do espaço, é como se o espaço também fosse alegórico “pelo simples fato de” as personagens serem alegóricas. Entre aspas pois não é bem uma relação de causa e consequência, mas de causas que coexistem.
E a principal característica do espaço alegorizado é o de que ele não é um espaço planificado, é o de que ele possui como que um desenho, um relevo acidentado próprio que, por mais que não seja visivelmente e materialmente feito na representação (como o foi no cenário de Orfeu da Conceição por Niemeyer), intuitivamente ou mesmo estruturalmente aparece como sendo. Por exemplo, numa trama que possui toda uma alegoria proletarizada, à Brecht de Santa Joana dos Matadouros, o espaço, ou mais exatamente a relação/dependência das partes dinâmicas que incidem nesse espaço (personagens+espaço, entenda-se, pois a personagem é a medida de todas as coisas no teatro), é um espaço que possui um relevo diferenciado, é ele em-si uma alegoria que pode até mesmo dar a impressão de que as personagens não são iguais, não estão todas na mesma distância do centro, mas que algumas estão em pontos mais privilegiados – e os desníveis na aludida peça de Brecht, especialmente na cena da descida ao inferno, são bons exemplos.
Novamente redundamos no que disse: a equidistância heliocêntrica, por si só, não quer dizer que todas as personagens serão iguais. Que serão planas (se bem que a personagem plana não é nada de tão nefasto; na verdade, hoje em dia tende-se a considerar que saber construir bem personagens planas é um passo tão difícil quanto construir boas personagens redondas). Apenas estão a uma mesma distância. E essa alegorização, que alegoriza o espaço, ou seja, não só o espaço cênico mas também as interações dinâmicas que cada personagem faz com o exterior de si, essa alegorização do espaço, ao invés de atrapalhar, contribui, encaixa.
Se tiver que me valer de uma analogia, imaginemos um tapete no chão que representasse o sistema heliocêntrico. Se adicionarmos relevos nele, espécies de montanhas ou reentrâncias, estofos de algodão embaixo dele, partes mais altas que outras, isso não vai mudar o fato de que todas as partículas estão na mesma distância do centro, mas apenas que algumas estão em perspectivas diferenciadas, não raro melhores, mais claras que outras – e que, se uma modificação for feita para com essa personagem privilegiada, o sistema heliocêntrico tenderá a desaparecer (pois esta característica de iminência de dissolução é uma característica também da equidistância), à guisa de puxarmos um dos planetas e ele levar consigo os outros.
Assim, a associação entre a equidistância heliocêntrica e a alegorização da peça é uma porta de acesso à instabilidade, o que vemos bem, por exemplo, nos autos vicentinos: as personagens, na estrutura que Muniz chamou de processional, passam pelo palco em trajetórias iguais, mas de se notar que a todo instante uma delas pode vir e quebrar essa estabilidade esboçada, que uma delas pode ser nada mais nada menos que a gota d'água.
Voltando aos autores aludidos, em Vinicius, graças à alegorização mais forte de sua peça, a equidistância heliocêntrica é forçada a permanecer em três dimensões, pois agora o espaço se torna, em ser alegorizado, um aspecto preponderante, um aspecto que também conta nessa equidistância. E já em Chico, ao contrário, graças à utilização da prosa e da menor alegorização de sua peça, a equidistância heliocêntrica é trabalhada numa perspectiva em duas dimensões, é uma alegorização que está sendo construída e que nós assistimos, como no movimento da peça Calabar, que, no final, termina com uma canção que fala do que é bom para o Brasil – ou seja, as personagens que se alegorizaram nessa estrutura maior.
Assim, resumindo, essa equidistância “em três dimensões” é uma equidistância completa que, não raro, está em processo de dissolução (as personagens tendem a recuperar de volta uma individualidade), ao pasos que a equidistância “em duas dimensões” é o contrário, é um processo de construção que sai da individualidade para a construção de uma alegoria maior.
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A ÉGIDE DE GIL VICENTE.
O
Brasil não possui grandes tradições teatrais. Afora a óbvia do Teatro de Costumes, que encontrou e encontra raiz e amparo no talento de Martins Pena, julgo que falar numa tradição de um Teatro Musicado não seja errôneo, ainda mais se notarmos momentos específicos e de grande êxito ao longo de nossa história (por exemplo, as operetas e o atual apreço pelo musical).
Essa tradição do Teatro Musicado é o mais próximo que conseguimos de um teatro poético ou de um teatro poético. Os três nomes anteriormente trabalhados são exemplos claros de dramaturgos que legaram exemplos funcionais e realmente bons nessas modalidades.
Mas, para além da utilização da poesia, o Teatro Musicado guarda afinidades em que se anteveem a égide de Gil Vicente de maneira mais clara. É quando observamos que essa égide não se dissolveu – e nem teria cabimento que houvesse.
E no final das contas, e no princípio das coisas, que égide seria essa?
Obviamente, é a égide estruturada no grande clássico teatral que temos em língua portuguesa: Gil Vicente. É a égide que faz a peça desembocar numa peça pautada na alegoria, pautada num encadeamento geral, em especial num encadeamento entre as personagens e as situações que demonstre um padrão, padrão esse que se confunde e tem como objetivo confluir para com a alegoria central da peça. É a referida equidistância heliocêntrica, um dos fulcros da égide ao lado do tom alegórico (que, como dito, decorre da equidistância) e da musicalidade (que possibilita a equidistância).
E tal construção centrada na equidistância heliocêntrica, tal construção tendo em vista a criação de uma alegoria, ou uma metáfora maior que possa ser antevista ao longo da peça como uma baleia emergindo, permite também que cada personagem cultive como que um segredo dentro de si, como que uma informação essencial que, muito longe de restringi-la apenas a esse dado secreto de sua essência, ou condená-la a uma revelação, a impele no mínimo, a restringe novamente ao giro orbital em torno de uma base e rumo à sua função específica de peça numa engrenagem maior – além, é claro, de permitir que ela possua uma importância nivelada em relação às outras, favorecendo a equidistância.
A égide também possui aspectos formais dignos de nota. Especificamente, a métrica: apesar de Gil Vicente usar-se de redondilhas, raramente de metros maiores, nota-se que o teatro sob sua égide costuma ter seus momentos mais altos sob esse tipo de verso ou com uma demarcação que tende ao mesmo, como bem se pode ver no Teatro Musicado anteriormente referido e, posteriormente, a João Cabral e, certo modo, ao Cordel. Além, é claro, do fato de que se é uma verdade que o decassílabo corresponde à capacidade torácica média humana, a redondilha maior, atestam alguns estudos, está mais próxima da fala corriqueira.
No entanto, creio que traçar a égide de Gil Vicente a partir de um critério formal como seria o do esquema rímico ABBA ou do uso das redondilhas é incorrer num erro. É incorrer numa restrição que não tem cabimento e que sempre se mostra tentadora quanto tendenciosa, tendo em vista ser uma máxima do Ocidente a restrição da forma à fôrma.
Assim, do ponto de vista rítmico, formal ou superficialmente rítmico, os autores sob a égide de Gil Vicente pautam suas peças na musicalidade, frequentemente buscando na rima e em metros mais consolidados de nossa língua uma utilização que favoreça e propicie o ritmo compassado que a égide rascunha.
E por mais que isso seja algo vago (como sinceramente creio que deve ser), é no mínimo notório que essa musicalidade, esse ritmo da égide de Gil Vicente afaste o verso branco e suas subsequentes acepções teatrais. Ao menos, afaste-o via de regra, como é regra e também é via que a égide conduza o autor teatral a um Teatro Musicado ou a um teatro que faça subjazer uma música, uma sonoridade que, como as batidas do coração, demonstrem a existência inapercebida de vidas – como todo teatro, é claro, mas nem como todo teatro, observado que muitas das vezes as vidas que subjazem são mais vívidas que as vidas na ribalta, da superfície.
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JOÃO CABRAL.
O
grande poema Morte e Vida Severina (ou Auto de Natal) encontrou nas mãos de Roberto Freire e Chico Buarque um certeiro apoio para sua realização musicada. E, ao lado da espetacular qualidade do texto, a utilização consciente de João Cabral das raízes mais límpidas não só da literatura popular, mas do teatro com conotações vicentinas, em que se nota em especial a equidistância heliocêntrica, permitiu ou no mínimo contribuiu para incutir uma perspectiva dramática poderosíssima ao poema.
E mesmo que o texto não possa ser visto como de escopo puramente dramático (em muitos momentos o literário se sobressai), o mesmo podendo ser dito do poema Auto do Frade (o que não é nenhum demérito, afinal), é certo que as implicações de se coincidir uma construção análoga àquela que a égide de Gil Vicente aponta possui seus significados obscuros, ou, antes, claramente obscuros se sabemos que a partir desta obscuridade podemos vislumbrar, no mínimo, uma coerência esperada.
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SUASSUNA, O CORDEL.
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uassuna é uma compacta ponte poderosa para com o teatro vicentino. Suas peças possuem uma construção diretamente ligada à do autor português, o que apenas dá relevo à importância tanto dum como doutro para nosso tempo e permite inclusive uma conexão com um gênero popular, já antevisto em Cabral, que é o gênero do Cordel.
Nicolau Luiz, no século XVIII, já desenvolvia as chamadas “Comédias de Cordel”, uma manifestação de uma época que ficou conhecida como “Baixa Comédia” e que, por si só, já ajuda a explicar o grande apreço que temos pelo referido gênero. E, se analisarmos com a mão no coração o que a literatura de cordel tem a nos oferecer, vamos encontrar um poderoso veículo político, não raro satírico, um veículo de raízes populares e não raro alegóricas, não raro musicais que nascem de um estrato social e com espetacular efetividade se comunicam com esse mesmo estrato de partida.
Arte das boas. De mão cheia.
A popularidade escrachada, a poesia conscientemente usada, o impacto social profundo são características que, por mais que não legadas diretamente, permitem que Gil Vicente seja sempre um convidado de honra no campo do cordel. E se o teatro poético ou em versos de nossa língua ainda hoje quase não deu certo (quase?!), resta-nos apenas a pena, apenas o sentimento de que um enorme potencial é desperdiçado no afã de lamber vai saber o quê dos estrangeiros – vai lá saber o quê de uma terra que nossas mãos apalpam, nossos olhos contestam.
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DO TEATRO AFRICANO.
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xiste uma mácula em meu ensaio: não pude considerar, por uma incompetência imperdoável, o teatro africano. É ignorância pura e simplesmente. Ignorância, como disse, imperdoável, ainda mais se tratando de um continente que tem tudo para ditar as cartas literárias no século que decorre.
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DAS TRADUÇÕES.
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ó é de se notar que, apesar de termos tão poucas peças de teatro poético, temos excelentes traduções, excelentes tradutores como Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Geir Campos, Onestaldo de Pennafort, Artur de Azevedo, Guilherme de Almeida, Guilherme Figueiredo, Ferreira Gullar, Millôr Fernandes, Ivo Barroso, Anna Amélia, Barbara Heliodora, Mário da Gama Kury, José Roberto O'Shea etc.
Porém, ao contrário do que se pode pensar, não estamos a um passo de conseguir escrever boas peças em verso.
E a questão é simples: ao traduzir um texto teatral em versos, as habilidades poéticas ou mesmo textuais são sempre de maior preponderância que as habilidades dramatúrgicas. Logo, corresponde apenas à metade (ou a muito menos que a metade, ou a uma dimensão paralela [o que me parece mais correto]), o ato de se traduzir uma peça em versos do escrevê-la de modo bem sucedido. Para que a correspondência seja completa, seria necessário que o próprio diretor de teatro, ou o tradutor e o diretor em íntimo contato, numa literal fusão, fizessem o trabalho, e isso ainda numa perspectiva sempre dual, pois o processo de tradução de uma peça para o palco não é necessariamente a mesma coisa que um texto teatral traduzido. São linguagens distintas, e, mesmo que tradutor e diretor sejam a mesma pessoa, a alma que traduz é uma, a alma que dirige é outra.
Obviamente, o tradutor ou mesmo o dramaturgo (estão em situações análogas), ao escrever uma peça, não necessita ser um diretor. É claro; mas necessita ter no mínimo uma noção prática do teatro que o tradutor não necessariamente precisa ter (e aqui se diferenciam). Ou, em outras palavras, o tradutor trabalha com um esteio, uma base prática, ao passo que o dramaturgo, transcendendo isto, tem, para além de criar o dito “esteio”, uma projeção prática de seu texto, isto é, uma projeção que se concretize. E daí a razão de que o dramaturgo deve escrever com preocupações que o romancista ou o poeta desconhecem.
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DAS BASES E DAS CITAÇÕES.
Genericamente, muito se foi lido. Mas, pra não ter de citar tudo o que foi lido, pois nem tudo que foi lido é citável oficialmente, fiz um esforço maior em mapear as raízes para o que li acerca de Gil Vicente e depois para citar apenas aqueles críticos que literalmente citei ao longo do ensaio.
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