Paul Verlaine (1844 - 1896).



Ok, ok, sem muitas delongas. Não pretendo comentar sobre a vida de Verlaine pois já o fiz no ensaio biográfico de Rimbaud. Nem muito sobre o poema pois o leitor pode encontrar um bom texto de Carlos Machado aqui e dois de Ivo Barroso aqui aqui. (As variantes que Carlos Machado se refere a respeito da tradução de Paulo Mendes Campos podem ser lidas aqui ou aqui.) Meu objetivo é mais o de trazer para o leitor todas as versões do poema que tenho em mãos e, como de praxe, humildemente oferecer a minha.

Só o básico: este poema faz parte da primeira coletânea de poemas de Verlaine, Poèmes saturniens, de 1866. É o primeiro da sequência Paysages tristes. Diz Onestaldo de Pennafort, a respeito desta coletânea de poemas, que "Pode-se dizer, em suma, que tôdas ou quase tôdas as obras posteriores de Verlaine constituem um desdobramento lógico e natural de tôdas as tendências estéticas e líricas acusadas nos Poèmes Saturniens, que assumem assim a feição de uma antologia, avant la lettre, da poesia de Verlaine." Durante a Segunda Guerra Mundial a primeira estrofe dele foi usada como mensagem cifrada para indicar o início do Dia-D. Verlaine é o carinha que escreveria anos depois: "Música antes de qualquer coisa". Esta sua pequenina canção é um dos exemplos mais clássicos e bem acabados da famosa musicalidade poética. Seu ritmo ágil, com dois versos de quatro sílabas rimados entre si seguidos de um verso de três (de modo que os versos 2-3 e 4-5 das estrofes formam um de 7), cria um sistema avanços e recuos danado de bom, fazendo com que o leitor tenha a impressão de um impulso que retrocede um pouquinho. Pra não falar nas aliterações, por exemplo L na primeira estrofe. O leitor sente o languer monotone que Verlaine quer lhe incutir.

Um século depois Drummond bradaria que ele, Drummond, jamais rimaria a palavra sono com a incorrespondente palavra outono (Verlaine só não rimou com "sono" pois podia rimar com "monótono"). Aqui o grito é social, é intenso: é contra a convenção poética de que a rima entre "outono" e "sono" seja buscada tantas e tantas vezes, é contra o próprio conteúdo do poema necessariamente se adequar ao que essa tal rima incute, e é contra o que a tradicional imagética outonal tende a incutir. Mas este brado drummondiano, é claro, deve ser visto com cautela, no sentido de que é possível sim que tenhamos um poema com temática outonal e ainda assim incisivo. Basta nos lembrarmos de Chant d'automne de Baudelaire, que incluo no final da postagem a título de comparação. A forma com que Baudelaire parte de um começo frio (as pancadas da lenha sendo jogada ao chão) para passar por comparações fortes (a forca se armando) e terminar na luz do sol raiando e do sol-posto; este percurso baudelairiano é análogo ao de Verlaine, afinal de contas, dizendo de como os longos sons dos violões ferem sua alma (um começo monótono) para depois dizer da alma que sufoca e quase desmaia e, por fim, de sua alma como uma folha morta indo de lá pra cá ― sem se importar com nada.

Os tradutores desse poema do Verlaine meio que podem ser separados na patota-Violão e na patota-Violino. Resolvi testar como eu me saía nas duas e ainda instituo uma terceira patota, a patota-Viola. Embora eu possa dizer ao leitor que meu objetivo foi o de chegar a resultados distintos dos outros tradutores, é difícil dizer até em que ponto eu o consegui, uma vez que acabei tendo de me valer de algumas soluções rímicas consagradas... Chega um momento em que o espectro rímico vai inegavelmente ficando menor. Os dois primeiros versos, por exemplo, ou você arranja algo pros violões ou pros violinos. A opção de Ascher, extremamente louvável neste aspecto, é raríssima, assim como a de Alphonsus de Guimaraens (se bem que Alphonsus conta com uma sílaba poética a mais...). Pois é preciso ter em mente que sanglots e longs não são simplesmente uma aliteração: são uma paranomásia, ou seja, a correspondência entre ambas as palavras é praticamente total. Creio que consegui ser mais feliz nesse lance paranomásico nas minhas tentativa-Violino e tentativa-Viola, embora na tentativa-Violino eu tenha suprimido a adjetivação dos sons. Existem outros casos ao longo do poema de soluções consagradas, como rimar algo no gerúndio seguido de "quando" lá na segunda estrofe ou, na terceira, no finalzinho, chegar a uma solução análoga à de Onestaldo de Pennafort (ou seja, rimar com "a"), o mesmo podendo ser dito de achar algo que rime com "-orta".

Fiquemos com o poema. As traduções foram retiradas dos links acima citados. A versão de Adriano Nunes foi encontrada num comentário a uma postagem no blog de Antonio Cicero, aqui. A versão de Gullar, da antologia O prazer do poema, Edições de Janeiro, 2014, p. 222. A versão de Joyce, feita em 1900, é contemporânea à escrita de sua coletânea Chamber Music, o que, é claro, tem muito a nos dizer... Onestaldo de Pennafort dá notícia de uma versão de Leão de Vasconcellos, publicada em 1936 num livro intitulado Nossa Senhora da Ausência. Infelizmente não tive acesso.

§

P.S.: Mais ou menos três horas após a postagem, Kleiton Muniz arriscou uma sua. Atualizo a postagem e a incluo. Obrigado pela contribuição, Kleiton!

P.S.2 (14/08/15): A tradução de Wagner Schadeck foi retirada da página de Facebook Poética Decadenteaqui. Como o leitor pode ver nos comentários mais abaixo, o tradutor fez uma segunda versão da tradução, mas, com a devida permissão, opto por manter ambas: são de grande competência.

P.S.3 (04/01/16): Adiciono também a tradução parcial de José Paulo Paes. Advém do prefácio O tradutor e a formação do leitor de poesia, incluso no livro Gaveta de tradutor, editora Letras Contemporâneas, 1996, p. 14-15. Ali, o tradutor se pergunta, a respeito do poema de Verlaine: "Como, por exemplo, fazer justiça em outra língua à preguiçosa dolência com que, explorando a riqueza de nasais do francês, Verlaine evocou o outono na sua célebre canção?" E, após citar a primeira estrofe da tradução de Onestaldo de Pennafort, ensaia a sua e assim se justifica:

Se a substituição de "violoncelos" por "violões" respeitou, no nível da forma, a nasalidade final da palavra, desrespeitou no entanto as peculiaridades do seu significado. Por mais chorosa que possa ser a voz do violão, nem de longe se compara às notas longas e graves que o violoncelo produz quando suas cordas são roçadas pela lenta passagem do arco. Talvez fosse o caso de, levando ao extremo a técnica de enjambement ou encavalgamento, recorrer a uma fratura verbal e cortar "violoncelo" em duas metades a fim de manter em fim de verso a rima nasal em "-on":

Aproveitando a deixa que muitas traduções exploraram as possibilidades de mudar os violons do original, incluo a tradução inglesa de James Kirkup (aqui) que chega a usar saxophone. É uma tradução que também possui o interesse de, haja vista que se propôs a traduzir em haikais com uma forte sonoridade, se ligar de imediato ao sabor que os haikais praticados por Guilherme de Almeida possuem em nossa língua.

P.S.3 (28/02/16): Agradeço mais uma vez a Wagner Schadeck pela indicação da tradução de Jamil Almansur Hadad, publicada em 1962. Também informo que organizei as traduções em ordem cronológica. Para a data da versão de Guilherme de Almeida tomei como base a obra Paralelamente a Paul Verlaine, e, para a data da versão de Onestaldo de Pennafort, a compilação Poesias feita pelo próprio Onestaldo. Não consegui uma data exata para a versão de Alphonsus de Guimaraens: por isso indiquei, apenas, "século XIX".

P.S.4 (03/04/16): Agradeço a Pedro Mohallem pela indicação da paráfrase de Fernando Pessoa, que incluo entre as traduções em português e as em inglês.

P.S.5 (04/08/16): Adicionada a tradução de Adrian'dos Delima, feita para uma postagem sobre um poema de Joyce, aqui.

P.S.5 (27/10/16): Adicionada a versão de Wladimir Saldanha, competente tradutor de Paul Verlaine (aqui) que, invertendo a ordem dos dois primeiros versos, chegou a uma solução muito interessante no início, além, claro, de outras.

P.S.6 (12/03/18): Adicionada as versões de Renata Cordeiro, publicadas em seu admirável trabalho sobre o poema na revista Ipseitas, v. 3, n. 2, jul-dez 2017.

P.S.7 (10/06/20): Adicionadas as versões de Wladimir Saldanha, publicadas em seu livro Culpe o vento (7letras, 2014).


CHANSON D'AUTOMNE.

Les sanglots longs
Des violons
     De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
     Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
     Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
     Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
     Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
     Feuille morte.


§





trad. Alphonsus de Guimaraens. [séc. XIX]
Os soluços graves 
Dos violinos suaves 
     Do outono 
Ferem a minh'alma 
Num langor de calma 
     E sono. 

Sufocado, em ânsia, 
Ai! quando à distância 
     Soa a hora, 
Meu peito magoado 
Relembra o passado 
     E chora. 

Daqui, dali, pelo 
Vento em atropelo 
     Seguido, 
Vou de porta em porta, 
Como a folha morta 
     Batido... 

§

trad. Guilherme de Almeida. [1944]
Estes lamentos
Dos violões lentos
     Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
     De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
     Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
     De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
     Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
     E morta.

§

trad. Onestaldo de Pennafort. [1945]
Os longos sons 
dos violões,
     pelo outono, 
me enchem de dor
e de um langor 
     de abandono.

E choro, quando 
ouço, ofegando,
     bater a hora, 
lembrando os dias,
e as alegrias 
     e ais de outrora.

E vou-me ao vento 
que, num tormento,
     me transporta 
de cá pra lá,
como faz à 
     folha morta.

§

trad. Jamil Almansur Hadad. [1962]

As pulsações
Dos violões
     Outonais
Fazem o ser
Esmorecer,
     Sempre iguais

E todo arfando
Pálido, quando
     Soa a hora,
Minha alma invade
Velha saudade
     E após chora.

Se eu assim vago,
Vento pressago
     Me transporta
Ao deus-dará,
Semelhante à
     Folha morta.

§

trad. Paulo Mendes Campos. [1964; 1984]
Os longos trinos
Dos violinos
     Do outono
Ferem minh'alma
Com uma calma
     Que dá sono.

Ao ressoar
A hora, alvar,
     Sufocado,
Choro os errantes
Dias distantes
     Do passado.

E em remoinho,
O ar daninho
     Me transporta
De cá pra lá,
De lá pra cá,
     Folha morta.

§

trad. Mansueto Bernardi [1965]
Esses lamentos
que o outono arranca
     do seu violão,
ressoam surdos
na salamanca
     do coração.

Quando ele, baço,
invade o espaço
     do parque amigo,
eu rememoro
o tempo antigo
     e choro.

E assim caminho
no remoinho
     que me transporta,
ao léu, na bruma,
tal qual uma
     folha morta.

§

trad. parcial de José Paulo Paes. [1996]

Os longos sons
      dos violon-
   celos do outono.

§

trad. Nelson Ascher. [1998]
Violinos com
seu choro assom-
     bram o outono
e eu, corpo mor-
to de torpor,
     me abandono.

Quase sem ar,
desmaio ao soar
     da hora enquanto,
lembrando em vão
os dias de então,
     caio em pranto.

E o vento cruel
leva-me ao léu
     pouco importa
aonde, em vaivém,
vago que nem
     folha morta.

§

trad. Adrian'dos Delima. [2010]

Os choros longos
Dos violões
     Pelo outono
No peito soam
Com um langor
     De um só tom.

Já sufocando
E branco, quando
     Soa a hora,
Eu lembro ainda
Dos dias findos
     E então choro.

E eu me vou
Que o vento mau
     Me transporta
Pra cá, pra lá,
Igual faz à
     Folha morta.

§

trad. Wladimir Saldanha. [2014]

Monotonias
Das melodias
     Outonais:
Ferem-me o imo
Tais violinos
     Lacrimais.

Se os dias bons
Voltam nos sons
     De cada hora,
Eu cá sufoco −
Pálido, rouco,
     Sou quem chora.

Sou quem partiu
Ao vento vil
     Que me enxota
De cá, de lá,
Parelha da
     Folha morta.

*

versão de Wladimir Saldanha [2014]
CANÇÕES DE OUTONO
Sobre a pauta da Chanson d'Automne de Verlaine

I - DO OUTONO VELOZ

Soluçam longo,
Violinos longe,
     Num outono,
Ferindo agora
Langor que fora
     Tão monótono.

Já sufocando
É debil, quando
     Voa a hora,
Perco a manhã
Na tarde vã
     - Noite, embora.

E vou a mil,
Ao vento vil
     Que me exporta,
De cá pra lá,
Eu mula da
     Folha morta.

II - DO OUTONO ESCAPISTA

Soluços, roncos,
Violões de broncos,
     Sem outono;
Mas sangro a dor
E o tal langor
     Do monótono.

Se os dias bons
Não vêm nos sons
     Da escória,
Eu cá sufoco:
Pálido, rouco,
     Vou-me embora.

Vento infiel,
Que em Manuel
     Foste a rota,
De sim, de lá,
Por quê, por cá,
     Folha morta?

III - DO OUTONO ETERNO

Se sangro a dor
     E o tal langor
Do monótono,
     Violinos lomge
Soluçam hoje
     Meu outono.

E me lixando
Pra quem, zoando
     Ri, de fora,
Revivo o afã
De Lélian
     Se ele chora.

Se invento abril
E vento vil,
     Folha morta,
De cá, de lá,
Dizem não há...
     - Que me importa?

CODA:

Ruim refrega,
Vai e carrega
     Quem te enxota.
Aqui ou lá,
Parelha da
     Folha morta.

§

trad. Adriano Nunes. [2014]
Os suspiros infindos
Dos violinos
     Do outono
Ferem meu âmago
Com langor
     Monótono.

Tão sufocado
E pálido, quando
Chega a hora,
     Rememoro
O tempo passado
     E choro.

E me transporta
Malvado vento
     De um lado
A outro, tal
Qual uma
     Folha morta.

§

trad. Ferreira Gullar. [2014]
O choro fino
Do violino
     Do outono
Enche-me a alma
De estranha calma
     E abandono

Tão sufocante
E turva quando
     Soa a hora
Eu me recordo
Dos dias idos
     E choro

E assim vou eu
Ao vento mau
     Que me leva
Daqui pra lá
Como faz com a
     Folha seca

§

trad. Wagner Schadeck. [2014]
Choros contínuos
Dos violinos
     De outono
Pungem-me o peito
Com langue efeito
     De abandono.

E sufocando
Pálido quando
     Ressoa a hora,
Deploro os idos
Dias vividos
     De outrora.

E alço-me exausto
Ao vento infausto
     Que me porta
Daqui pra lá
Semelhante à
     Folha morta.

*

trad. Wagner Schadeck. [2014]
Longos anelos
Dos violoncelos
     De outono
Pungem-me o peito
Com langue efeito
     De abandono.

Mas sufocando
Lívido quando
     Ressoa a hora,
Deploro os idos
Dias vividos
     De outrora.

E alço-me exausto
Ao vento infausto
     Que me porta
Daqui pra lá
Semelhante à
     Folha morta.

§

trad. eu. [2015]
Longas canções
Dos violões
     Do outono
Ferem meu peito
Com tédio afeito
     Ao sono.

Minh'alma enjoa
Logo que soa
     A hora,
E traz à mente
O antigamente
     E chora.

E assim eu vago
No ar aziago
     E assumo
A forma torta
Da folha morta
     Sem rumo.

*

trad. eu. [2015]
Vinham a mim os
Sons dos violinos
     Do outono
Ferir meu corpo
Com um torpor
     De sono.

Bate o ponteiro 
Eu sofro inteiro
     E assim
Pranteio ouvindo
O outrora vindo
     A mim.

Vago sem pressa ―
Que me interessa?
     Sou que nem
A folha gasta
Que o vento arrasta
     Num vaivém.

*

trad. eu. [2015]
Tão longo evola
O som da viola
     Outonal
Que me feriu
Com um fastio
     Trivial!...

Bem que me enojo
Logo o relógio
     Dê o toque
E os dias de antes,
Lindos, radiantes,
     Eu evoque.

Vou ao relento
Exposto ao vento;
     E daí?
Sou folha murcha
Que o vento puxa
     Por aí.

§

trad. Kleiton Muniz. [2015]
Os sons ferinos
dos violinos
     vindos do outono
ferem meu peito
em langor feito
     de tédio e sono.

Pálido e sem ar,
quando, a me chamar,
     a hora tange,
o tempo lembrado
do meu passado
     me confrange.

E eu vou, em lamento,
solto pelo vento,
     tonto,
que me transporta
como uma folha morta
     que caiu do tronco.

§

trad. Renata Cordeiro [2017]
Ferem-me os ais
Dos outonais
     Violinos
O coração
Com a inação
     Dos seus trinos

E quando dá
Tal hora já
     Rememoro,
Sem cor, sem ar,
Dias sem par
     E então choro.

E eu vou-me assim
No ar que, ruim,
     Me transporta
Pra cá, pra lá,
Tal e qual a
     Folha morta.

*

trad. Renata Cordeiro [2017]
Cravam punhais
Com longos ais
     Que dão sono
Dentro de mim
Os bandolins
     Desse outono.

E quando já
Sem cor e ar dá
     O momento
Dias me vêm,
Idos, porém,
     E eu lamento.

E eu vou ao léu
Ao ar cruel
     Que me enxota
De cá, de lá
Semelhante à
     Folha rota.

*

trad. Renata Cordeiro [2017]
Causam-me dor
Com um langor
     Morrediço
Os violões
E os seus bordões
     Outoniços.

E quando sem
Cor, sem ar, vêm
     Tantos, tantos
Dias não mais
Do tempo atrás
     Caio aos prantos.

E eu sigo a errar
Ao malvado ar
     Que me arrasta
Pra cá, pra lá
Semelhante à
     Folha gasta.

§

paráfrase de Fernando Pessoa. [s./d.]

No entardecer da terra
O sopro do longo Outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas, e volve, e revolve,
E esvai-se inda outra vez.
Mas a folha não repousa,
E o vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E até do que hoje sou
Amanhã direi, quem dera
volver a sê-lo!
... Mais frio
O vento vago voltou.

§

trad. James Joyce. [1900]
A voice that sings
like viol strings
     through the wane
of the pale year
lulleth me here
     with its strain.

My soul is faint
of the bell's plaint
     ringing deep;
I think upon
a day bygone
     and I weep.

Away! Away!
I must obey
     this drear wind,
like a dead leaf
in aimless grief
     drifting blind.

§

trad. James Kirkup. [2001]
Long moans on autumn’s
saxophone — wound my heart with
languor’s monotones

Wan suffocations —
as hours creep — remembering
days gone by — I weep —

Borne on weary winds,
my grief — hither and thither —
a withering leaf



CANTO DE OUTONO.
Baudelaire, trad. Dante Milano.
I

Em breve iremos mergulhar nas trevas frias,
Adeus, ardente claridade do verão!
Já se ouvem nos quintais, fúnebres e sombrias,
As pancadas da lenha ao ser jogada ao chão.

Em meu ser vai entrar de novo todo o inverno:
Raiva, arrepio, horror, labor duro e forçado.
Já, semelhante ao sol em seu polar inferno,
Meu coração é um bloco rubro e enregelado.

Tremo ao ouvir tombar cada feixe de lenha,
Não faz eco mais surdo uma forca se armando.
Meu espírito é a torre alta que se despenha
Aos duros golpes de um ariete vergando.

Os monótonos sons me embalando num sono,
Ouço pregarem um caixão em qualquer parte.
Para quem? ― Ontem era o verão, hoje o outono!
Esse barulho misterioso é alguém que parte.

II

Amo o teu longo olhar de uma luz esverdeada,
Doce amiga, mas hoje amarga-me um pesar,
E nem o teu amor, o lar, a alcova, nada
Para mim vale o sol raiando sobre o mar.

Mas ama-me assim mesmo e cheia de ternura,
Ainda que eu seja ingrato e te cause desgosto;
Sê, minha mãe e irmã, a efêmera doçura
De um outono glorioso ou da luz de um sol-posto.

Breve é a missão! A cova espera, avidamente!
Ah, deixa-me com a fronte em teus joelhos pousada,
Saborear, recordando o verão claro e ardente,
Deste fim de estação a luz suave e dourada!

§

CHANT D'AUTOMNE.

I

Bientôt nous plongerons dans les froides ténèbres;
Adieu, vive clarté de nos étés trop courts !
J'entends déjà tomber avec des chocs funèbres
Le bois retentissant sur le pavé des cours.

Tout l'hiver va rentrer dans mon être: colère,
Haine, frissons, horreur, labeur dur et forcé,
Et, comme le soleil dans son enfer polaire,
Mon coeur ne sera plus qu'un bloc rouge et glacé.

J'écoute en frémissant chaque bûche qui tombe
L'échafaud qu'on bâtit n'a pas d'écho plus sourd.
Mon esprit est pareil à la tour qui succombe
Sous les coups du bélier infatigable et lourd.

II me semble, bercé par ce choc monotone,
Qu'on cloue en grande hâte un cercueil quelque part.
Pour qui ? — C'était hier l'été; voici l'automne !
Ce bruit mystérieux sonne comme un départ.


II

J'aime de vos longs yeux la lumière verdâtre,
Douce beauté, mais tout aujourd'hui m'est amer,
Et rien, ni votre amour, ni le boudoir, ni l'âtre,
Ne me vaut le soleil rayonnant sur la mer.

Et pourtant aimez-moi, tendre coeur ! soyez mère,
Même pour un ingrat, même pour un méchant;
Amante ou soeur, soyez la douceur éphémère
D'un glorieux automne ou d'un soleil couchant.

Courte tâche ! La tombe attend; elle est avide !
Ah! laissez-moi, mon front posé sur vos genoux,
Goûter, en regrettant l'été blanc et torride,
De l'arrière-saison le rayon jaune et doux !